Olhando para o cabeçalho do exame final de História A do 12.º ano, poder-se-á estranhar que, junto de indicações compreensíveis, como o tempo de duração da prova e o de tolerância, apareça, numa linha, a referência ao “Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho”. Supondo que os examinandos ainda não se fazem acompanhar por advogados, o motivo da invocação da legislação e a matéria a que dirá respeito ficará por esclarecer.
Mas também não é isso que se visa apurar na prova 623 dos Exames Nacionais do Ensino Secundário. O que se pretende é, por exemplo, que, a partir de um texto sobre as mudanças políticas de 1820, na perspetiva de Almeida Garrett, o aluno “apresente duas razões do descontentamento de sectores da sociedade portuguesa, evidenciando a sua importância para a eclosão da revolução de 1820”, explicitando-se que “as duas razões devem ser articuladas com informação contida no documento”.
Quem julgar que os professores da disciplina seleccionados para corrigir o exame não terão dificuldade em avaliar o acerto das respostas engana-se. Apurar se um aluno foi capaz de ir a um texto pesquisar duas razões justificativas do descontentamento que fez eclodir a revolução de 1820 e apresentá-las num português escorreito não é apenas, como se poderia supor, apurar se um aluno foi capaz de ir a um texto pesquisar duas razões justificativas do descontentamento que fez eclodir a revolução de 1820 e apresentá-las num português escorreito.
Bem fez, por isso, o Instituto de Avaliação Educativa, I.P. (IAVE) em explicar com minúcia a oculta ciência, cujo domínio a correcção do exame requer. Uma correcção está repleta de obstáculos quase intransponíveis, em que os incautos não atentarão.
Não perceberão que é necessário ajuda, como a que é capaz de criar obstáculos como os que pretende desobstruir. Mas o apoio não falta, como se percebe através de um texto que o IAVE remeteu aos correctores e que vale a pena citar integral e fielmente para ilustração dos que julgam que é fácil ser professor:
“A. O comando «Apresenta», nesta situação concreta e similares (IV.3), não é equivalente ao comando «Explicite» que, aliás, coexiste neste mesma prova (item II.3, III.1), independentemente da instrução dada em cada item relativamente à articulação com os documentos. Nesta situação, bem como na similar que se apresenta no item IV. 3, o comando «Apresenta» remete o aluno para a identificação dos aspetos solicitados (razões, características…) num registo de tipo explicativo, uma vez que essa apresentação (de razões, no caso concreto) está sempre associada a uma segunda parte do item, normalmente iniciada com um verbo no gerúndio, que indica ao aluno a forma ou grau de aprofundamento como deve responder à «apresentação» de razões solicitadas no item.
Neste item II.2., solicita-se ao aluno que apresente duas razões, «evidenciando a sua importância para a eclosão de revolução de 1820». O aluno, ao ler a segunda parte do item, compreende que a apresentação de razões solicitadas não pode limitar-se à identificação/indicação /referência das mesmas, mas deve apresentá-las em função do complemento da instrução de resposta.
Os tópicos de resposta presentes nos CC evidenciam essa dupla dimensão da tarefa. Assim, por exemplo, no caso do 1.º tópico de resposta deste item II.2, a «condenação de oficiais portugueses pelos britânicos, que governavam a metrópole («OU que controlavam a regência OU que exerciam o poder autoritário)» corresponde à identificação /indicação /referência da razão do descontentamento de sectores da sociedade portuguesa, enquanto que a apresentação da importância da mesma para a eclosão da revolução de 1820 se expressa na segunda parte do tópico de resposta: «gerando o envolvimento, na preparação da revolução de 1820, de militares (OU de outros sectores) empenhados em «Resgatar a memória [...] de Gomes Freire de Andrade e dos outros mártires da Pátria e da liberdade».
B. A mobilização da informação do documento escrito pode ser realizada com recurso a citações (valorizando-se a transcrição seletiva), por palavras do aluno ou por paráfrase.”
Os professores andam exaustos, como ontem e anteontem noticiaram os jornais, e o arrazoado destas duas “notas prévias” poderá cansá-los ainda mais, mas sem o desvelo que revelam seria de temer que quem lecciona a disciplina de História, apenas usando o conhecimento que detém e os critérios de correcção que o IAVE também envia, fosse incapaz de certificar duas razões para a tal revolução ter eclodido.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
Um exame do 12.º ano
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DM
8 julho 2018