Se dúvidas houvesse, a recente polémica da redução não consensual da Taxa Social Única (TSU) a cargo da entidade empregadora, como contrapartida de uma subida do salário mínimo nacional (SMN), é a prova mais evidente da instabilidade reinante no seio daqueles partidos e do inevitável desgaste que tal situação acarretou para o próprio Governo. E isto é tanto mais significativo quanto é certo que, no caso em apreço, a dissensão nem sequer ocorreu no domínio de uma qualquer reforma estatal, mas antes recaiu sobre uma medida legislativa laboral, de carácter temporário ou excepcional. Mas, vamos aos factos.
Na linha do que ocorreu em 2010, com um Governo do PS e, depois, em 2014, com o anterior Governo PSD/CDS, em que o aumento do SMN foi sendo acompanhado por reduções da TSU paga pela entidade patronal, o programa do actual Governo prevê uma subida gradual do SMN até € 600,00, valor este a atingir no final da legislatura (2019).
Ora, sabendo-se como se sabe que um tal aumento causa desemprego (um salário mínimo para os trabalhadores de € 557,00, como o que para este ano foi fixado, equivale para uma empresa ao pagamento mensal de € 887,30), o Governo, em sede de concertação social, tendo imposto um aumento do SMN para os ditos € 557,00, anuiu em reduzir os encargos das empresas em 1,25% da TSU, para as compensar desta subida do SMN. E fê-lo apesar de saber que os seus parceiros de esquerda eram contra esta medida e não ter sabido negociar previamente o apoio do maior partido da oposição.
Percebe-se o alcance desta jogada táctica: mostrar ao PCP e ao BE que não se considera totalmente dependente deles para tomar medidas importantes, mesmo do foro laboral, que contrariem o pensamento destes seus parceiros; e, sobretudo, encostar o PSD à parede, desafiando-o, arrogantemente, a ser consequente com o seu anterior pensamento e acção na mesma matéria, apoiando os interesses e as pretensões das associações empresariais que sempre defendeu.
Esta cartada, não sendo isenta de riscos, foi lançada com uma inusitada rapidez. Aprovado em Conselho de Ministros de 16 do corrente mês e promulgado no mesmo dia pelo PM, foi o respectivo decreto-lei, logo no dia seguinte, referendado pelo PR e publicado em anexo no Diário da República!
Não obstante, e como se previa, PCP e BE, agindo como se partidos de oposição se tratasse, de imediato anunciaram que iriam requerer a apreciação parlamentar do referido diploma e que o sentido do seu voto seria o da rejeição do decreto.
Com o que o PS não contava era com a decisão do PSD de vetar tal diploma. Mas foi isso que sucedeu. E daí a necessidade de minimizar os danos e fazer recair sobre os sociais-democratas os custos de uma precipitada e premeditada medida táctica.
Dir-se-á que, tal como estes últimos, também o Governo sabe muito bem – e até o reconheceu no texto preambular do diploma em causa – que o aumento do SMN, no estádio devastado da nossa economia, é causa de desemprego e que, por isso, é necessário prevenir tão funesto efeito. Mas, para isso, tem que saber com quem pode contar, já que os seus parceiros de esquerda estão mais interessados em aumentos salariais de quem está empregado do que com a situação dos que não têm emprego ou dos que, tendo, podem perdê-lo e, muito menos, em apurar se a situação económico-financeira da maioria das pequenas e médias empresas é compatível com tais aumentos.
Portanto, se é certo que o PSD foi incoerente ao rejeitar a redução da TSU, o PS foi-o em maior medida ao aceitar formar Governo com o apoio de partidos com ideologias e práticas que contrariam o essencial do seu pensamento económico, do projecto europeu que corporizamos e do regime do Estado de Direito democrático em que vivemos. E tudo isso só para alcançar a presidência do Governo!
A ocorrência desta polémica questão, em tempo de tantas incertezas no panorama europeu e mundial e perante o impasse em que se encontra a nossa economia, não augura nada de bom para a nossa frágil democracia.
Autor: António Brochado Pedras