twitter

Triúnviro efémero e discreto, mas nunca esquecido

  1. Confundir aniversário com obituário). Em finais de Maio deste ano, certo jornalista ligado a um nóvel meio de comunicação electrónico (tido aliás por conservador, ou liberal) noticiou sem fundamento a morte do engº Gonçalo Ribeiro Teles. Para mais, no dia em que ele fazia, salvo erro, 98 anos. Pouco tempo depois, a notícia foi desmentida. Porém, fôra quanto bastou para que uma corrente de comentários, normalmente encumiásticos, percorresse as ditas “redes sociais”, como parece ser da praxe, nestes tempos tão estranhos que vamos vivendo.

  2. Uma “notícia manifestamente exagerada”). Não fôra a avançada idade do ribatejano e poderia ele comentar, como o fez Mark Twain (que só morreria, em 1910) num telegrama à Associated Press, que “a notícia da minha morte era manifestamente exagerada”. Outros ditos inspirados, da lavra do autor de “Tom Sawyer” foram, p. ex., que “há 3 espécies de mentiras: as mentiras, as mentiras descaradas e as estatísticas”; ou, respondendo à questão do que aconteceria aos homens, num mundo sem mulheres, “seriam poucos, seriam raros…”; ou que “o sabão e a educação não são tão fulminantes quanto um massacre, mas são mais mortais no longo prazo”; ou que “o homem é o único animal que cora, ou que devia corar…”; ou que “a boa educação consiste em esconder o alto conceito em que nos temos a nós próprios e a má opinião em que em geral temos os outros”; ou que “pela graça de Deus, temos nos EUA 3 coisas preciosas: liberdade de expressão, liberdade de consciência e a prudência de nunca praticar qualquer delas”.

  3. A 1ª vez que vi Ribeiro Teles). Ainda eu era muito novo e terá sido por finais da década de 70, na RTP, num debate cujo tema não consigo recordar, mas que pertence ao género dos preciosos documentos conservados (ou não) no fabuloso arquivo da RTP e que mereciam ser passados no canal da RTP Memória. Nem que a sua triagem fosse feita pelo competente mas sempre tão “camaleónico” Júlio Isidro. Nesse debate, o notável Rib. Teles denunciava a recente eucaliptização de certas zonas do País, especialmente da serra ocidental do Algarve (em Monchique). Foi o 1º a fazê-lo; e foi notável, sobretudo, porque os grandes incêndios programados e sistemáticos só haveriam de começar por 83, no consulado de Mário Soares. A conspiração incendiária foi por décadas escondida pela RTP e restantes “media”, ao ponto de a palavra “eucalipto” quase nunca ser escrita ou pronunciada , sendo substituída por “floresta de crescimento rápido”. Mais tarde (e para tal, lamentavelmente, Rib. Teles também deu o seu contributo…), o pinheiro também foi desfavorecido, falsamente classificado como árvore (europeia, é certo) mas introduzida, o que é inteiramente falso.

  4. Falar de “triunviros” em época de “duunvirato”…). Em minoria desde o início, em 2016, o governo socialista do equilibrista, do “malabarista” (até em sentido genealógico…) dr. António Luís Santos da Costa, encontrou na forte personalidade egocêntrica, sinuosa e manobrista do pres. Marcelo Rebelo de Sousa (ex-PSD) um apoio notável. A ponto de na prática, Costa só não cair porque quase concede a Marcelo um estatuto de co-1º ministro. Na prática, é um estranho duunvirato.

  5. Ribeiro Teles foi um dos triúnviros da Aliança Democrática, em 1980). Eram Sá Carneiro (m. em 80), pelo PSD; Freitas do Amaral (m. em 2019) pelo CDS; e Teles, pelo PPM, monárquico. Este último, com 58 anos, já tinha então um aspecto de pessoa mais “idosa”; e quem diria que seria ele que sobreviveria aos outros 2, notoriamente mais viçosos e jovens… Na antiga Roma, ficaram famosos 2 triunviratos, então formados por inimigos mortais. O 1º juntou Júlio César, Pompeu e Crasso (ganhou César); o 2º foi entre Marco António, Lépido e Octávio (ganhou Octávio, o futuro Augusto, imperador).

  6. Monárquico, latifundiário, oposicionista democrático). O engº Ribeiro Teles era também um pai de muitos filhos e um homem magro e pequeno, com olhos claros e um aspecto geral de “artesão”. E parente de alguns históricos da tauromaquia. No contacto directo, uma pessoa atenciosa e educadíssima. Mas firme, no seu pensar, errado ou certo que estivesse. E assim era, na relativa antipatia com que tratava o pinhal, tão característico da nossa paisagem em zonas como Leiria, Viseu, Valpaços, V. Real, planalto de Ansiães, serras de Paiva, Arouca, de Castelo Branco, Boticas, etc.. E assim era na ideia (discutível) que tinha, de que Portugal deveria ser um mosaico de (apenas) campos e carvalhais diversos, quase sem intervalos, desvalorizando a importância dos Parques Nacionais e zonas protegidas.

  7. Tive o gosto de ser recebido no seu escritório, por 2008). Fui lá, à zona da Estefânia, para ajudar a salvar o fabuloso rio Tua, da barragem com que Sócrates (e Cristas…) haveriam de destruir o seu curso final, junto ao Douro. Antes, fui procurà-lo a Coruche, às suas herdades. E foi um telefonema dum seu filho, que agendou a visita. Teles estava, à época, soube-o eu então, com esse e outros assuntos de defesa do território, em mãos, como vogal de determinante colectivo consultivo. Mas já era tarde. Do encontro ficou apenas a oferta de artigos meus sobre o tema (no DM) e um “dossier” com bastantes fotografias do rio e seu desfiladeiro.


Autor: Eduardo Tomás Alves
DM

DM

9 junho 2020