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“O tempo em que os Vascos eram Santanas”). Grande testemunha da sua época e da sua própria e interessante vida, escreveu a inesquecível actriz e cantora Beatriz Costa (1907-96) vários livros de memórias, o 1.º dos quais com prefácio de Jorge Amado (“Sem papas na língua”). O 2.º, datado de 77 e com o título que reproduzo como título deste meu próprio 1.º capítulo, aludia (e relativizava) a pessoa do coronel Vasco Gonçalves, o ameaçador (mas algo exêntrico e cómico) chefe do 5.º Governo Provisório da República, cuja teimosia pró-comunista, em 75, quase levou Portugal a uma guerra civil.
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“ Tout passe, tout casse, tout lasse”…). Assim dizem os franceses: “tudo passa, tudo se parte, tudo cansa”… Em cada ano que passa e dá lugar ao seguinte, registam os obituários a morte de dezenas ou centenas de pessoas célebres. As quais, por largo tempo haviam sido uma espécie de “moldura” a que nos habituáramos ver referido o nosso mundo e as nossas próprias vidas. Contudo, uma a uma vão silenciosamente desaparecendo. E a “moldura” dos vivos de 2021 já é muito diferente da dos vivos de 2010 ou de 2000 ou de 1990. O mesmo se aplica ao quadro dos nossos familiares, amigos ou simples conhecidos. Cujo desaparecimento nos dá noção da nossa própria transitoriedade neste mundo. E nos fortalece a crença de que possivelmente temos mesmo uma alma que prolongará, noutra “dimensão”, as nossas contingentes existências, as quais Deus Nosso Senhor um dia não se esquecerá de, digamos, “repescar”, julgar e “revalidar”. Assim seja…
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O tempo em que Odemira era um Trio…). Escrevendo eu este texto em meados de Maio de 2021, ninguém imaginaria que, pouco mais de 1 mês após a quase despercebida morte, no espaço de poucos dias, dos 2 famosos irmãos Júlio e Carlos Augusto Teixeira da Costa (que em 1955 fundaram o Duo, depois o Trio, “Odemira”), os “media” só falassem de Odemira para referir os sérios problemas migratórios e sanitários daquele vasto concelho do sudoeste alentejano. É que, por quase 7 décadas, o internacionalmente famoso Trio nunca deixou de fazer parte das preferências da maioria dos melómanos portugueses; com eventuais “picos” nos anos 60, 80 e 90. Gravaram mais de 1000 temas (a maioria inéditos em Portugal, como é habitual). Estavam sindicalizados nos EUA e fizeram 19 “tournées” mundiais. Na minha opinião, tiveram contudo demasiada simpatia pelos “boleros” hispano-americanos; os quais valem bem menos que as “rancheras”, os “corridos”, ou as canções dos “mariachis” mexicanos. Onde também pontificaram, foi na interpretação dos fabulosos temas da tradição folclórica alentejana (“Rio Mira vai cheio”, “Rosa branca desmaiada”,” Por esses campos fora”, etc.). Ou nas versões de êxitos alheios: “Amor antigo”,”Ana Maria”,” Anel de noivado”,” Quem eu amo”,” Alma, coração e vida”,” Luar do sertão”,” Que linda estás esta noite”,” Quem é louco”; e tantas outras.
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A morte de Artur Garcia). Nasceu em Lisboa, 1937. Actor e sobretudo cantor, toda a vida conservou o seu estilo humilde, simpático e amável. Depois de 74, foi praticamente posto de lado, dado nunca ter manifestado real antipatia pelo Regime deposto, o qual lhe reconheceu sempre o valor. O seu apogeu terá sido pertencer ao elenco permanente das notabilíssimas “Melodias de Sempre”, nos anos 60. Para o povo, ele seria o “namorado” (que não foi) de Simone de Oliveira; já que todos queriam que Calvário namorasse Madalena. Calvário era o “rei”, Garcia, o “príncipe” (sem invejas). Um recente programa de Júlia Pinheiro convidou testemunha muito especial, que revelou que Garcia, infelizmente também era dos tais que estavam “muito além do seu tempo”, embora nunca fizesse alarde dessas suas inclinações.
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Faleceu Mara Abrantes). Outra presença assídua nas citadas “Melodias de Sempre” foi a já então famosa e formosa mulata fluminense Mara Dyrce Abrantes da Silva Santos (n. 1932); que chegou a Portugal em 58 para participar na revista “Fogo no Pandeiro”, convidada por Vasco Morgado. E por cá ficou. Inesquecível, a sua interpretação de “Casinha da colina” (do brasileiro Sá Pereira). No Rio, conhecera Jobim. Em Portugal, entre tantos amigos especiais, figurará um conterrâneo cucujanense (amigo e colega de tropa de meu pai), o compositor Carlos Canelhas (n. 1927). Que foi também amigo de Rui de Mascaranhas; e autor do célebre “Ele e ela” (de Madalena Iglésias), que foi à Eurovisão.
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Morte do notável pintor António Joaquim, aos 95 anos). Era natural de Travanca (Feira), conterrâneo e grande amigo do meu tio- avô e padrinho. Aguarelista famoso, pequeno de estatura, parecido com José Afonso mas com uns olhos verdes que irradiavam inquietude e entusiasmo. Pintou o meu retrato em criança, duas vezes (numa delas, captando a minha insólita mistura mental de “junker” com faraó). Dizia ele que em criança (só em criança…) eu era muito bonito, o que me irritava bastante. Pai de 4 filhos, nutria grande amor pela sua esposa Olga, senhora alta, magra e loura, de olhos azuis e nariz autoritário. Um daqueles que retratou, foi o escritor Jorge Amado, que (a par do explorador africano Stanley), é um dos meus guias espirituais para o mundo tropical.
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Morre o prof. Soares Martínez). Outro homem pequeno mas cheio de coragem, este com ligações ao antigo Regime. Antes de 74, subia sozinho os degraus do anfiteatro da Fac. de Direito de Lisboa, para tentar pôr ordem, sem grande sucesso, em desordens organizadas para interromper as suas aulas. Jurista, economista e historiador diplomático de referência. Nunca “virou a casaca”. Foi meu professor. Durante anos foi uma espécie de “anti-Cristo” dos democratas e dos esquerdistas. Nonagenário, ainda colaborarava no jornal “O Diabo”. Que já há muito devia mudar o nome para” São Miguel Arcanjo”, por exemplo…
Autor: Eduardo Tomás Alves