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Tias e tios com importância

No modelo patriarcal de família, os pais e os avós ocupavam o papel central na educação dos filhos e netos. Mas, com frequência, as tias e tios (mais aquelas do que estes) que compunham o agregado familiar desempenhavam, em conjunto com os avós, um importante papel na educação dos sobrinhos, no seu desenvolvimento afectivo e na prestação de cuidados quando os pais, por razões laborais ou outras, necessitavam de estar fora de casa. Apesar da evolução que, no último século, se foi registando no sentido de um sistema nuclear de família, reduzido a pais e filhos e muitas vezes monoparental, onde só excepcionalmente têm lugar outros familiares, a verdade é que ainda houve e há muitos exemplos de tios que continuaram a ter um papel importante e uma influência muito positiva na vida dos sobrinhos. Foi o caso da minha tia materna, Maria Fernanda Sousa que, na passada terça-feira, foi a sepultar. Como julgo que o valor das tias (e dos tios) nas famílias tem sido bastante esquecido quando, na realidade, são capazes de amar, alegrar e sacrificar-se pelos sobrinhos tanto quanto os avós, quero partilhar com os meus estimados leitores o texto que escrevi e li na despedida daquela minha saudosa tia e que passo a reproduzir. “Mais do que um elogio fúnebre ou de uma prece singela, as palavras que neste momento vos quero dirigir pretendem ser de agradecimento a Deus pela vida desta nossa querida familiar que ora vai a sepultar. A Tia Nanda, como em família a tratávamos ou a Fernandinha, como afectuosamente era conhecida entre amigos, foi uma daquelas criaturas que, quando partem, deixam um vazio difícil de preencher, quer porque onde quer que estejam irradiam uma alegria contagiante quer porque consolam, apaziguam e fazem sentir bem os outros nos momentos mais difíceis e tristes. Cultivar o espírito de família e a amizade, ajudar os mais necessitados e fazer o bem sem olhar a quem, foram traços fortes da personalidade da nossa querida finada, a exemplo, aliás, do seu pai e meu avô, Carlos Sousa – o Senhor Carlinhos – de quem certamente muitos dos aqui presentes ainda hoje se recordam com saudade. Mas se fez muitos e bons amigos, a quem muito estimou e ajudou, a verdade é que também contou com o carinho e apoio de muitos deles, por quem igualmente foi muito estimada e tratada como se de família fosse. E não é preciso dizer os seus nomes, porque eles estão aqui no nosso meio, como sempre estiveram nos bons e maus momentos. Para sublinhar um outro registo do que a singularizou na vida terrena, ocorre-me lembrar, por oposição, um dos mais bonitos fados de Coimbra, com letra e música de António de Sousa – “Quando eu morrer rosas brancas, para mim ninguém as corte, quem as não teve na vida de que lhe servem na morte”. É que a nossa Tia Fernanda gostava muito de rosas, fossem elas brancas, vermelhas, amarelas ou cor de rosa, como de muitas outras flores que durante tantos e tantos anos cultivou, tratou e colheu, justamente numa terra denominada “Eirado da Rosa”, onde viveu durante quase toda a sua vida. E também gostava de música de todos os tipos: de a ouvir e dançar. Foi com ela, de resto, que aprendi a dançar a valsa, o tango, o passo doble ou o slow. Flores e música foram, pois, coisas e arte que a Tia Nanda sempre teve a rodos e que marcaram indelevelmente a sua maneira alegre de ser. E, curiosamente, foram essas mesmas flores e essa mesma música que agora lhe serviram na morte, como expressamente fez questão de desejar. Aquelas trazidas amorosamente por familiares e amigos. Esta belissimamente tocada pelo Benedito Carvalho e pela sua filha Bárbara e magistralmente cantada pela sua irmã Maria José. Uma última faceta da Tia Nanda gostava de evocar: a de que, não tendo sido mãe, gostava muito de crianças, tinha muito jeito para lidar com elas, fossem ou não da sua família. Não me recordo de nenhuma que não gostasse dela. Como igualmente gostava de cães e gatos, tratando e afeiçoando-se aos animais, mesmo aos mais desprezados, que acolhia na sua casa sempre que outro abrigo não tivessem. E tanto basta para terminar, dizendo: - Obrigado, meu Deus, pela vida longa e feliz que proporcionaste à Tia Nanda; e - Obrigado, meu Deus, pelos familiares e amigos que aqui permitiste terem vindo para lhe prestarem uma última e sentida homenagem na Páscoa que seguramente lhe destinaste. E até sempre, Tia Nanda!” Bem hajam, pois, todas as tias e tios que encarnam a sublime missão de apoiar a educação e formação dos seus sobrinhos!
Autor: António Brochado Pedras
DM

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26 outubro 2018