Desde 2001 não se apagará da memória essa sombra negra, quando foram despenhados quatro aviões comerciais, cheios de passageiros, sobre as Torres Gémeas e o Pentágono, caindo outro na Pensilvânia. E entre o horror e o terror das imagens – qual delas a mais inverosímil –, nunca se esquecerá aquelas em que pessoas se lançavam para fora das janelas, para fugir à fornalha, projectando-se, como única saída, no solo, sofrendo uma outra morte cruel e indescritível.
2. A concepção do terrorismo parece estar ainda ligada aos anarquistas do século XIX, que, principalmente na Europa, faziam a sua propaganda política mediante actos mortíferos. Há um século, o que se temia eram os anarquistas, responsáveis que foram pelo assassínio de um grande número de líderes políticos, fazendo muitas vítimas; dizia-se, anarquistas estarão em toda a parte, num medo generalizado, tal como hoje receamos os terroristas islâmicos.
Durante o século XX, na Europa, outro tipo de terrorismo foram os vários grupos de movimentos nacionalistas (o IRA e a ETA, entre os mais conhecidos), que semeavam a devastação e a morte, anunciando reivindicações políticas de cariz autonómico.
3. Em 11-S, como dissemos, não era dum filme de ficção que se tratava; se o terrorismo é um fenómeno de todos os tempos, surgiu então um novo tipo – o hiperterrorismo; as torres gémeas que luziam magnificência e poderio económico desfizeram-se, qual baralho de cartas, e a superpotência mundial foi atingida no seu núcleo – o Pentágono, símbolo do poderio militar.
Desmoronou-se quer uma certa ordem mundial quer a confiança na segurança colectiva; e isso, porque a violência se disseminou por todo o globo, atingindo mesmo os santuários mais protegidos; depois, ela não é o resultado de Estados mas de indivíduos ou de associações de indivíduos – empreendedores especializados do tráfico de violência; em suma, habitamos num mundo onde o mercado da violência está completamente desregulado.
4. Hoje, os terroristas cessaram de suicidar-se como mera perda, jogando com a própria morte da maneira mais ofensiva e eficaz, segundo uma intuição estratégica que é, nada mais nada menos, a imensa fragilidade dum sistema que atingiu a quase-perfeição, mas por isso mesmo vulnerável à mais pequena centelha.
Este novo tipo de terrorismo faz da própria morte uma arma absoluta contra uma sociedade que vive da exclusão da morte, cujo ideal é o da morte-zero. As causas que se aduzem (religião, conflito palestiniano, pobreza, ou outras) não devem ser tomadas à letra: não há nenhuma explicação unidimensional que se adeque à realidade dos factos: neste novo terrorismo não se pode tomar demasiado a sério nenhum jogo de razões, porque, tomando e começando a jogar-se, perde-se.
5. Um dos traços deste novo tipo de terrorismo – que é um terrorismo global – é que se alimenta do seu impacto e da sua reflexividade através dos media, mediante a tecnologia moderna e eficaz dos nossos dias, portentosa na difusão de imagens. Os perpetradores dos atentados, além de muitas vítimas, querem “gente a assistir”. Como alguém escreveu, o paradoxo deste terrorismo é precisamente o seu método: “sem audiência não há terrorismo”.
Essa conexão entre terrorismo e espectáculo ficou clara nos atentados de 11-S, e nos que se seguiram, de modo a descarregar sobre as pessoas a maior carga emocional possível. Se o extremista islâmico odeia o mundo que possibilitou a alienação da sociedade do espectáculo, é dela que se serve, é a ela que reenvia ao mundo, usando a mesma linguagem e os mesmos potentes meios de difusão.
6. No séc. XXI, os actos violentos protagonizados pela Al-Qaeda (responsável pelos ataques terroristas de 11-S de 2001 nos Estados Unidos, e de 11 Março de 2004 na estação ferroviária de Atocha em Madrid), ou pelo Estado Islâmico, ou por outras organizações congéneres, através do medo nas populações – medo de andar de avião, de comboio, de metropolitano, medo de ir ao cinema, de ir ao futebol, de tomar um café numa praça, de passear ao ar livre, medo simplesmente de sair de casa –, pretendem paralisar a sociedade civil e desestabilizar as suas idiossincrasias, derrubar os seus sistemas políticos, enfraquecer a sua economia, criar tensões sociais nas comunidades que atacam. Por isso, da União Europeia e dos Estados espera-se mais: não pode tolerar-se a intolerância cujo fito é derruir a tolerância. Essa a nossa próxima reflexão.
O autor não segue o denominado “acordo ortográfico”
Autor: Acílio Rocha