Porque estamos às portas do Natal, frequentemente me invadem as lembranças de outros natais, os natais da minha tão longínqua, quão saudosa infância; e, sobretudo, pelo frenesim da criançada e pela azáfama das donas de casa em preparar com esmero o acolhimento à família, quantas vezes ausente, que se havia de reunir.
É, então, no frenesim da criançada que se espelha a busca incansável e zelosa do musgo e da hera com que se enfeitava o presépio e que seria colocado carinhosamente no canto mais cimeiro da lareira e onde refulgiam inevitavelmente o Menino Jesus, Sua Mãe, Maria e José, Seu Pai, bem como a caterva de figuras em barro: o boi, a vaca, os reis magos, a banda de música, o pastor com o seu rebanho e neve, muita neve de farinha ou serrim que, sobre o musgo, desenhava o caminho até à gruta; depois, o espanto, a visita atenta e constante para que nada faltasse nesse mundo encantado que nos conduzia à lapinha de Belém onde nascera Jesus.
Agora, do outro lado do sonho, era a realidade da canseira dos pais e dos irmãos mais velhos em preparar a grande ceia - a Consoada - onde não podiam faltar as batatas, o bacalhau, as couves e o bom azeite; e, obviamente, a doçaria vária onde pontificavam os mexidos, a aletria, as filhoses, as rabanadas, o leite-creme e o arroz doce; e, muito importante, o arranjo da mesa, da grande mesa à volta da qual se reunia a família, alguma vinda de bem longe, constituída pelas três gerações: avós, pais e filhos.
E esta reunião familiar havia de se prolongar pelo dia seguinte – dia de Natal – com um almoço que se iniciava com a tradicional roupa velha (restos do cozido de bacalhau da véspera) e seguido de uma rojoada ou cozido à portuguesa com as melhores carnes do porco criado em casa e abatido nas vésperas; e obviamente que a doçaria tradicional da Consoada à mesa regressava para sobremesa.
Entretanto, a criançada ia descascando as pinhas crestadas à lareira delas retirando os pinhões com que durante a tarde jogavam ao Rapa-Tira-Deixa Põe, numa esfuziante e barulhenta alegria que reclamava os ralhetes do chefe da família; e porque o sapatinho, posto na chaminé com grande curiosidade, apenas, trazia algumas guloseimas: figos, nozes, rebuçados e raramente chocolates, ou algum brinquedo de madeira, pois muito longe ainda andavam os brinquedos elétricos de hoje.
Pois bem, os natais de hoje, sejam dos nossos filhos, sejam dos nossos netos, muito distantes estão dos natais da minha infância; e desde carros telecomandados e brinquedos articulados e falantes até aos telemóveis, consolas e tabletes a oferta é múltipla e variada porque posta consignação de todas as bolsas.
Depois, o profano rivaliza com o religioso e tem clientela muito afeiçoada com o pai natal a distribuir sorrisos e a apelar ao consumismo e ao desperdício na comunicação social e nas redes sociais com uma antecedência doentia; e, aqui, reside uma forma tóxica de gastar o que se tem e não tem para satisfazer apetites, caprichos e vaidades e onde as crianças são as maiores vítimas de propagandas enganosas e miríficas.
Agora se Natal é a festa da Família por excelência e onde deve pontificar a partilha, a solidariedade, a paz e o amor, decididamente ele tende a ficar fora de moda; e, mormente, porque as ondas de consumismo, hedonismo, relativismo e materialismo se levantam violentas e dominantes.
Todavia, se a família é a célula fundamental da sociedade, assim caminhamos para a sua desagregação e vitimização vergastada por ideologias marxistas-leninistas que destroem os seus já tão frágeis alicerces morais, éticos e espirituais; e somente contra estes ventos adversos da história, apenas uma forte dinamização e consolidação da família pode lutar.
Vamos, então, a exemplo da Família de Nazaré, fazer deste Natal a verdadeira festa da Família praticando a partilha, a solidariedade, a paz e o amor; e dizendo não aos convites para a sua profanação voraz, através do materialismo, hedonismo e consumismo que tanto se apregoam e praticam; ademais, os pais natais que por aí proliferam uma imagem e mensagem negativa transmitem do verdadeiro Natal que era o da minha infância e que se definia e afirmava no gesto belo e patriarcal do chefe da Família ao dar, no final da Ceia, o Menino a beijar a todos os presentes, desejando-lhes umas santas e felizes festas.
Então, um santo Natal para todos e até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado