Sento-me, ligo o computador, acedo às notícias do dia e há uma que se destaca – “Precisa de abastecer? Combustíveis sobem a partir de amanhã, o gasóleo irá subir dois cêntimos, enquanto a gasolina aumenta um cêntimo…”
Semana a semana, esta é uma novidade recorrente que faz com que tenhamos dos combustíveis mais caros da Europa sem que, aparentemente, ninguém reclame com veemência.
Este permanente aumento num setor de crucial importância sem que haja significativa contestação, tendo em conta a sua repercussão na vida dos cidadãos e das empresas, é mais um sinal de que o povo português permanece adormecido.
De facto, a juntar a tantas outras trapalhadas que temos testemunhado, parece nada importunar o comum cidadão que continua embalado pela ilusão propagada de que a austeridade acabou. Engano que o assombra, o leva a endividar-se de novo e a desprezar a poupança.
Povo português que, arrebatado ou distraído pelas grandes balbúrdias que têm preenchido o quotidiano da realidade nacional, parece querer manter-se alheio da autêntica realidade.
As balbúrdias trazidas pelas constantes greves especialmente nos setores da Educação, da Saúde e dos Transportes, e as enormes trapalhadas espelhadas em assuntos tão sérios e melindrosos como o roubo de armamento de guerra de Tancos ou a deslocalização do INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P.- parecem não ser suficientes para despertarem a sociedade portuguesa.
No que concerne ao permanente litígio dos professores e dos profissionais de saúde com as respetivas tutelas, urge encontrar compromissos que respeitem os legítimos direitos destes trabalhadores, as promessas assumidas e as reais possibilidades do país.
Quanto aos Transportes, principalmente no que diz respeito à ferrovia, é absolutamente necessário devolver à CP-Comboios de Portugal a paz necessária para que possa cumprir com rigor e exatidão o seu papel e deixe de ser um foco de instabilidade e de incerteza para quem necessita dos seus serviços.
Quanto ao sucedido em Tancos, pelas notícias vindas a público, por insistência do Presidente da República que nunca deixou cair o assunto, parece começar a desvendar-se o mistério que ao longo de longos meses semeou estupefação, perplexidade e insegurança. Já a anunciada permanência do INFARMED em Lisboa, é digna de um folhetim humorístico se não traduzisse a incapacidade do Estado em resistir à força de um centralismo obsoleto e profundamente sufocante que afeta a maior parte do país.
Se a todos estes factos juntarmos outros de diferente dimensão, mas que apesar disso não deixam de contribuir para um ambiente de distensão e de manifesta apatia da maioria dos portugueses, estará encontrada a razão para tanta letargia.
É o caso do voltar atrás na questão da equivalência das licenciaturas pré-Bolonha, que depois de serem equiparadas a mestrados deixam de o ser, ou a questão do financiamento das universidades que, após a diminuição do número de vagas no litoral, veem diminuir drasticamente o seu financiamento. E o que dizer sobre os problemas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) que, aqui e além, vão fazendo manchetes de muitos noticiários?
As notícias que dão conta de instalações degradadas, de serviços lotados, de falta de recursos e de insatisfação de profissionais são recorrentes.
A este propósito, será oportuno refletir sobre as palavras do Professor Correia de Campos, Presidente do Conselho Económico e Social, aquando do encerramento da conferência “A Saúde e o Estado: o SNS aos 40 anos”, que decorreu no Fórum Lisboa no dia 21 do passado mês de setembro.
Nessa cerimónia afirmou: “O SNS está muito distante de uma crise grave… corre o risco de se transformar numa caricatura do que pretendiam os seus fundadores e precisa de atenção exigente e imediata…”
O aviso assim feito pelo insigne professor, ex-ministro da Saúde e distinto militante do Partido Socialista sobre o SNS, bem poderia ser extensivo a outros importantes setores da sociedade portuguesa.
Por certo, mais uns do que outros temos andado desatentos e até um pouco adormecidos. Não será tempo de acordar?
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira