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Teixeira de Queirós e Braga

Não foi apenas para o poeta João Penha que 1919 foi o ano derradeiro. Há cem anos, morreu também Teixeira de Queirós, como na quinta-feira passada recordava o Diário do Minho, informando que a Câmara Municipal de Arcos de Valdevez irá comemorar até Novembro o centenário da morte do escritor que ali nasceu em meados do século XIX. Todas as homenagens que se possam prestar aos autores de mérito não são de desdenhar, mas a que importa acima de todas é ler o que escreveram. Tornar acessíveis as suas obras é, portanto, o melhor que se pode fazer. A reedição pela Imprensa Nacional Casa da Moeda e pela autarquia das obras emblemáticas do escritor, anunciada pelo presidente do município é, pois, uma boa notícia. Um dos romances mais relevantes de Teixeira de Queirós, amigo de João Penha e de Eça de Queirós, O Salústio Nogueira.Comédia burguesa. Estudo de política contemporânea(publicado em 1883, teve uma edição reformulada em 1909 e a edição mais recente, em dois volumes, de 1982, da Promoclube, está esgotada desde há muito), proporciona rapidamente um singular encontro com a cidade de Braga, recordada pelas saudades de uma personagem.No Senhor do Monte, no alto da famosa escadaria, lá estava Longuinhos, montado no seu cavalo de pedra. O pai de Angelina dizia-lhe sempre, ao passar, mostrando nas palavras certa inimizade:Anda maroto, que foi com essa lança que tu abriste o sacratíssimo lado de Nosso Senhor.

E recomendava aos pequenos que detestassem Longuinhos e lhe fizessem caretas. Mas logo que subia o último degrau do escadório e se encontrava em frente da grande porta do Templo, no largo onde estão os evangelistas, em atitudes severas, lendo perpetuamente nos seus livros de pedra os velhos textos que apontavam com dedos musgosos, Pedro Alves concentrava-se num momento de meditação, tirava o chapéu e, juntamente com os seus, ajoelhava fazendo uma reverência.

Grandes santos! Grandes santos! – exclamava comovido e persignando-se.”

A narração prossegue com os mais novos a fazerem caretas ao Longuinhos e aos judeus que estavam nas capelas a martirizarem o Cristo quando iam com a criada buscar água a um dos escadórios para acompanhar a refeição que transportavam, constituída por um “louro cabrito recheado”, acompanhado por um “amplo alguidar de arroz, do meio do qual saía um salpicão e as pernas de uma galinha”.

A vida lisboeta da personagem obrigava-a a lembrar Braga. Os infelizes domingos da capital traziam-lhe ao pensamento a dominical alegria bracarense: “Em que toda a gente vestia camisa lavada para ouvir missa e depois de jantar ia passear para o Bom Jesus, para a Senhora de Guadalupe, para as Carvalheiras, para S. João da Ponte, para a estrada dos Arcos, paros os lados da fábrica de gás na estrada do Porto, ou para Frossos!”

Angelina estava em Lisboa a contragosto. O seu desejo era casar com o deputado Salústio Nogueira e levá-lo para Braga, onde o antigo administrador do concelho se poderia estabelecer, advogando como o doutor Penha Fortuna (nome por que era conhecido como jurista o poeta João Penha) e como o doutor Rasqueja – “homens lá tão respeitados! Salústio poderia fazer também óptimos discursos no tribunal, diante do juiz de beca e dos jurados confundidos!”

Diz-nos o narrador que o “vaidoso” deputado – um arrivista como os que o autor, que também foi deputado e ministro, terá, com certeza, conhecido – recebeu mal os conselhos, respondendo: “– Parva, é o que és! Sabes lá o que estás a dizer! Olhem que rica coisa, ir-me meter em Braga, naquele aborrecimento, numa permanente cavaqueira de padres debaixo da arcada! Realmente é uma posição de arromba fazer discursos como o doutor Penha Fortuna ou como o doutor Rasqueja nas audiências!”.

Será preciso ler mais umas centenas de páginas para encontrar outro bracarense em Lisboa com saudades da sua terra. Mas a leitura recomenda-se. Por causa de Angelina, uma das mais amáveis bracarenses da literatura portuguesa. E também porque vale a pena conhecer o tal Salústio Nogueira, ainda que saibamos que “em Braga embirravam com ele”. Aliás, com razão.


Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

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7 abril 2019