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Talvez

Talvez é, ou era há tempos de escola, um advérbio de dúvida. Não sei se a nomenclatura gramatical ainda se mantém a mesma, mas de qualquer maneira quem a emprega no discurso oral ou escrito talvez exprima uma dúvida ou pelo menos uma hesitação.

Ora o que me parece é que somos um povo que emprega esta dúvida ou esta hesitação com frequência. Isto parece dizer-nos que somos um povo de convicções duvidosas: Se não reparem: fala-se da recuperação económica e logo alguém importante nos vem dizer: talvez para o ano não seja assim e desbobina uma carrada de talvez que nos deixa atemorizados; se se fala da geringonça e da sua eficácia em termos de estabilidade económica e paz social, logo os senhores talvez nos vêm dizer, para a próxima legislatura não vai haver geringonça porque o PCP amua e o BE azeda a relação.

Por isso, talvez não haja geringonça para o futuro. Se se fala em qualquer sucesso desportivo logo dizem isso é porque os outros não prestam, porque nós talvez não tenhamos esse valor. Como disse um dia um inglês a nosso respeito: é um povo estranho porque leva seis meses a secar o bacalhau e depois para o comer põe-no de molho.

Nós não somos um povo estranho, somos um povo que tem medo do sucesso porque sempre nos disseram que éramos pobres, pequenos e tacanhos. Esta identificação com esta dimensão fez de nós um povo de pequeno querer. Muita fé mas pouca ação. Talvez seja bom partir uma perna porque poderíamos partir as duas.

Ou então, como todo o tímido, baforamos de peito inchado, somos os melhores do mundo mas bem lá no fundo dizemos baixinho, talvez só por uma vez. Numa listagem de resultados, porque será que procuramos pelo fim o nome do nosso país? Talvez saibamos bem lá no íntimo que quem nasceu para dez nunca chega a vinte.

Mas este talvez cheio de dúvidas e incertezas transforma-se em afirmações quando dizemos, comprou um automóvel novo, mas ficou a devê-lo; mudou de casa mas deve-a ao banco; foi para férias mas foi a calo; vestido novo sabe-se lá quem lho pagou! Somos afirmativos e perentórios para os sucessos pessoais e duvidosos e descrentes para os sucessos nacionais.

É uma personalidade periclitante apanágio de uma personalidade sem confiança em si mesma e com uma auto-estima sem significado.

Já repararam como as pessoas caminham? Cabeça baixa, olhos postos no chão, quase com medo de olhar olhos nos olhos. Parecemos devedores a fugir de credores. É o atavismo a impor um historicismo de subalternidade de séculos: nunca deixamos de ser condado.

Já aqui um dia disse que Portugal é o país médio europeu: os países maiores são tantos como países maiores, quer em população, quer territorialmente: temos mais gente que a Suécia, Finlândia, Noruega, por exemplo. Não digam talvez, digam, sim, é verdade. Talvez, é um estigma nacional.

D. Afonso Henriques não esteve com talvez¸ fez do quintal uma quinta e, se dele herdamos uma nação, outros fizeram-nos crer que somos pequenos, pobre e tacanhos. Lavramos o mar, fomos os primeiros nos mares ignotos e então por que razão nos fizeram pequenos?

Parafraseando Camões, os fracos governantes fazem fraca a forte gente.


Autor: Paulo Fafe
DM

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15 outubro 2018