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TALIBANS À PORTUGUESA

1 – Como toda a gente sabe (saberá?) os talibans eram (e ainda são) uma seita religiosa islâmica, extremista afegã, que trata a sangue e morte tudo o que não se enquadra dentro da sua teologia. Em 1996 tomaram a capital do seu país, Cabul, e iniciaram uma ditadura que duraria cinco anos durante os quais marcaram a História da Humanidade por tudo quanto é desumano: mortes sangrentas em matanças colectivas com prévias torturas; uma moral «estatal» e rígida que regia tudo, desde o que se comia ao que se vestia; um machismo elevado ao paroxismo a contrastar com a redução das mulheres à condição de «res nulius»; e um furor iconoclasta que destruía toda a manifestação cultural e civilizacional – uma espécie de fanatismo pelo animalesco, pelo primitivo, pela negação do «homo sapiens». Nesta matéria – de cultura e civilização – o seu governo ficou mesmo célebre pela destruição de duas gigantes estátuas budistas, talhadas na rocha há mais de dois mil anos, na região de Bamiyam – um atentado ao património cultural Afegão que a UNESCO e o mundo culto ocidental tentou, em vão, impedir. A estupidez, a ignorância, e o ódio que, conjugados, geram o fanatismo, foram mais fortes. 2 – Aqui, no extremo ocidental da Europa, nós lemos essas notícias numa amálgama de espanto, terror, dúvida, indignação e… alívio! Era lá longe, em terras exóticas, de povos primários e primitivos. Com um sorriso de superior satisfação, verificamos a distância civilizacional e cultural que nos separa de qualquer forma de «talibanismo». Com todos os nossos defeitos e atrasos, somos contudo uma democracia europeia e civilizada, onde a razão, há séculos, substituiu o fanatismo e onde os diferendos se resolvem com debates de ideias, cultos e instruídos. Puro engano! O «talibanismo» é tão pandémico como a Covid 19! Na sua forma original, ou em variantes que o disfarcem, rapidamente se espalha pelo mundo e chega do Afeganistão a Portugal. E já cá chegou. A ver do mundo só o que lhe permitem os «blinkers» fanáticos, mas lhe impedem de ver tudo o resto – que é tudo, afinal. Também por cá a ignorância é, como de costume, atrevida e – por hipertrofia – fanática. Também por cá se fala do presente sem se conhecer o passado, isto é, os caminhos que aqui nos trouxeram. Também por cá se pretende destruir tudo o que testemunhe, ateste e explique, esse mesmo passado de luz e de trevas. 3 – O «talibanismo», na sua estirpe portuguesa, ao propor a demolição do monumento aos Descobrimentos Portugueses, gerou uma onda de protestos e indignações onde só deveria gerar misericórdia e piedade. Porque a proposta é filha de uma profunda ignorância que continua a afligir Portugal e da iliteracia de uma boa parte das suas classes dirigentes. Da ignorância histórica geral – que o faz supor o culto do Império uma invenção salazarista e não um valor do nascente Partido Republicano na agonia da Monarquia – já se ocuparam historiadores ilustres como Fátima Bonifácio ou Rui Ramos. Quanto à ignorância histórico-artística e estética, a proposta taliban fala por si: classifica de «mamarracho» (sic) uma das obras maiores de Mestre Leopoldo de Almeida – um nome cimeiro da História da Escultura em Portugal. Numa só palavra tudo fica dito: a cultura, a formação plástica, os conhecimentos artísticos e, sobretudo, os conhecimentos gerais do proponente. Por isso, não entendo as reacções indignadas e os desejos de justiça sobre o nosso taliban iconoclasta. Não entendo, porque ele é culturalmente inimputável. Logo, não pode ser responsabilizado e, muito menos, punido. Nota: por decisão do autor, este texto não obedece ao impropriamente chamado acordo ortográfico.
Autor: M. Moura Pacheco
DM

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3 março 2021