As 12 mil referências que fui coletando ao longo dos últimos anos sobre os modelos de governação nas cidades permitiram-me chegar a duas conclusões: nada do que li e assimilei é etéreo; tudo o que julgo saber vale o que vale. Ou seja, tão relativo como a opinião de cada um sobre a matéria. Devo confessar que poucas vezes me sinto confortável com o que escrevo, mas depois de ler a entrevista de Gerald Babel-Sutter ao jornal Público, no passado domingo, senti ser meu dever reforçar algumas ideias partilhadas pelo fundador da Conferência “Urban Future”, que este ano é organizada em Lisboa. A primeira sobre esse grande equívoco chamado “Smart City”, um instrumento que tem dourado a pílula a muitos autarcas, mas que em primeiro lugar privilegia uma visão de cidade como um negócio, a coberto de instrumentos tecnológicos facilitadores que, feitas as contas aos últimos indicadores de previsão até 2022 ( Smart City Market), terá um peso económico de 158 mil milhões de dólares. A segunda é que, independentemente desta oportunidade de negócio, há fundamentos para acreditar que alguns instrumentos tecnológicos não são só úteis como importantes para agilizar e decidir baseado em factos e não em suposições ou gostos pessoais. A terceira ideia é que a primeira só funcionará e será aceite pela comunidade, se o seu impacto for visível, partilhado e avaliado em permanência. E é aqui que a entrevista de Gerald se torna importante para os que defendem uma posição equilibrada entre a inevitabilidade tecnológica e os que denunciam que o conceito serve “apenas para vender coisas às Câmaras”.
A tendência atual resume-se a um confronto de conceitos associados à capacidade de dar resposta aos problemas concretos das pessoas e ao recurso a instrumentos que servem a gestão, mas não a solução. “Os autarcas não querem que lhes digam o que fazer, mas como fazer”. Mais do que isso, não podem estar a à espera da tecnologia A ou B para resolver os problemas das pessoas, querem soluções que possam ser implementadas em tempo útil a favor das pessoas e do seu próprio ciclo político.
As experiências de Gerald, na cidade austríaca de Graz, dão uma segunda dimensão a este problema que tem sido muito caro para que os que, como eu, defendem uma visão interdisciplinar, transversal e sustentável, resumida numa palavra: mudança. Mudança de mentalidade, de comportamento e de uso da cidade. Como convencer as pessoas a alterar os seus hábitos e como evoluir dentro de uma economia circular a par de uma tecnologia que não sabemos se será ou não tão disruptiva quanto isso? Liderança, comunicação e envolvimento das pessoas no debate e na assunção das soluções. Como a liderança é um processo que não depende da vontade dos autarcas, mas do reconhecimento dos outros em torno das suas capacidades restam duas armas: a comunicação enquanto instrumento social vital à mudança e o envolvimento das pessoas. Uma boa parte dos nossos autarcas tem dificuldade em ouvir, aceitar e mudar de direção se for caso disso. Munem-se de certezas por vezes idílicas, trabalhando com motivações erradas. Como refere Gerald não se trata de saber se queremos uma cidade com ou sem carros, mas que cidade queremos. Se chegarmos à conclusão que a qualidade de vida em todo os parâmetros da habitabilidade são o mais importante, ninguém se vai interrogar se devemos continuar a ter carros na Avenida da Liberdade, em Lisboa ou em Braga. A questão da comunicação e da participação torna-se, assim, crucial. Como chegar a este nível de envolvimento que provoque a mudança e esta seja aceite? Talvez começar por não ter medo da diferença, deixar de recear a opinião dos outros e transformar isso numa oportunidade quer no presente quer para o futuro. Quem se propõe governar as cidades e ser líder das vontades das pessoas e do futuro urbano, tem de estar disponível para gerir de forma Inteligente, sem a bengala das soluções smart´s que, na sua maioria, cozinham o destino da cidades como um negócio.
Destaque
Uma boa parte dos nossos autarcas tem dificuldade em ouvir, aceitar e mudar de direção se for caso disso. Munem-se de certezas por vezes idílicas, trabalhando com motivações erradas.
Autor: Paulo Sousa