Tenho persistentemente defendido que a atual legislação eleitoral precisa de ser revista e ajustada para que seja possível uma intervenção direta do eleitor na escolha dos seus representantes; porque o que, na realidade acontece, é a escolha ser feita pelos partidos políticos e imposta, de seguida, aos eleitores e de que resultam escolhas frequentes de candidatos alheios às realidades e necessidades dos eleitores que representam e, antes, defensores se tomam dos interesses de quem os escolhe.
Há casos mesmo em que os candidatos não pertencem aos círculos eleitorais que os elegem, nem por nascimento, nem por residência; e, até, na eleição para a presidência da República se verifica que nem todos os candidatos são realmente independentes, pois as máquinas partidárias não deixam de os apoiar, mobilizando, pressionando, subsidiando, de que resulta nem sempre se alcançar um presidente plenamente descomprometido, independente e isento.
Daqui se espoleta o descrédito e o desinteresse dos cidadãos pela política e pelos políticos e, consequentemente, uma permanente abstenção às urnas; e esta realidade que devia mobilizar os partidos para a revisão da legislação eleitoral, não colhe o apoio de todos, única e simplesmente, com receio, tão-só, de perderem os seus privilégios e presença ativa na defesa da sua ideologia.
Ora, há politólogos que defendem o sorteio, em parte, dos candidatos a certos cargos públicos; e se, à primeira vista, esta solução nos parece irrisória e desajustada, no fundo, talvez não seja bem assim, pois permitiria uma aproximação maior e mais direta do eleito ao eleitor e este responsabilizaria aquele pelas decisões e projetos que defende; até porque, por exemplo, a participação da mulher na vida política, atualmente gerida por quotas, impede o eleitor de escolher mais mulheres para pugnarem pelos seus interesses e anseios.
Todavia, os cientistas políticos que defendem o sorteio como forma complementar de seleção para o poder legislativo, por exemplo, argumentam que:
– esses representantes estão mais ativos e próximos da população, conseguindo assim melhores soluções para os problemas;
– o sorteio põe fim aos escândalos frequentes com o financiamento das campanhas eleitorais que originam fenómenos de corrupção, compadrio, caciquismo e populismo;
– deste modelo de escolha resultaria um corpo legislativo mais diversificado e produtivo nas decisões que viesse a tomar para benefício dos eleitores.
Depois, pensando nós que a solução do sorteio, à partida, pode resultar numa medida utópica, é bom pensar que há alguns países que já recorrem a este método de seleção de candidatos; por exemplo, a Irlanda, a Mongólia, a Austrália, o Canadá e os Estados Unidos da América, seja para efetuar reformas institucionais, seja para elaborar orçamentos públicos e reforma da lei eleitoral; e, até, para a organização de processos de iniciativa popular a esta forma de sorteio recorrem.
Ademais, se recuarmos na História, já a democracia ateniense utilizou durante cem anos o sorteio como forma de escolha dos responsáveis pelas políticas públicas; como igualmente na república Fiorentina era este o processo para distribuir os cargos mais destacados dos três poderes: legislativo, executivo e judiciário; e, em muitos mais países o poder judiciário escolhe de forma aleatória o júri popular que tem voz ativa na aplicação da justiça.
Pois bem, num tempo em que as fake news (notícias falsas), divulgadas sobretudo através das redes sociais, responsáveis são pela eleição de muitos candidatos, sobrepondo-se, assim, à escolha popular responsável e autónoma, talvez o sorteio dos candidatos não seja tão chocante, irrisório, utópico e disparatado como parece; e, mormente, pelos benefícios, repito, que traz à democracia que mais direta, representativa e ativa se torna.
Esperemos que, acontecendo no próximo ano eleições legislativas e europeias, os partidos políticos pensem em rever a legislação eleitoral, onde a forma de sorteio possa ter o seu primeiro ensaio; pois desta forma sempre pensarão mais no povo de que se têm servido, apenas, para conquistar e manter o poder a qualquer preço, dando-lhe voz e vez mais ativas, autónomas e comprometidas nas escolhas que façam.
Então até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
Sorteio de candidatos na legislação eleitoral

DM
21 novembro 2018