“Quanta sabedoria tem o olhar dos avós, quanta generosidade têm os seus sorrisos, quanto aconchego têm os seus braços” (Raquel Piffer). Sim! O olhar, o sorriso e o aconchego dos avós destilam magia, ternura e encanto!
Não tive a sorte de ter lidado de perto com os meus avós. Três deles faleceram era eu menino de colo e nem sequer os conheci; a avó paterna faleceu quando eu tinha dezassete anos, mas o facto de vivermos afastados (na altura, cinco quilómetros era uma distância significativa e não havia a tecnologia que hoje faz estar próximo quem não está presente!) e de eu ter ido para o Seminário não favoreceu o contacto. Apenas a visitava nas férias, guardando disso gratas memórias.
O dia litúrgico de S. Joaquim e Santa Ana, avós de Jesus, que hoje se celebra, tem para mim um particular encanto, mesmo se os evangelhos canónicos nada dizem a seu respeito. É o Protoevangelho de Tiago, texto apócrifo escrito pelo ano 150 da era cristã, que deles nos dá algumas informações.
A propósito desta celebração, o Papa Francisco decidiu que o IV domingo de julho passe a ser o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos. Foi o que ontem aconteceu! Publicou, para o efeito, uma bela e densa mensagem, intitulada “Eu estou contigo todos os dias”, onde deixa uma palavra de esperança aos avós e idosos que, nestes tempos de pandemia, são os que mais sofrem a doença e, sobretudo, a solidão.
No registo de proximidade que o carateriza, o Papa garante a cada um dos avós e idosos: “toda a Igreja está solidária contigo (...), preocupa-se contigo, ama-te e não quer deixar-te abandonado”. Pouco depois, afirma que, “mesmo quando tudo parece escuro, como nestes meses de pandemia, o Senhor continua a enviar anjos para consolar a nossa solidão, repetindo-nos: ‘Eu estou contigo todos os dias’. Di-lo a ti, di-lo a mim, a todos. Está aqui o sentido deste Dia Mundial que eu quis que fosse celebrado pela primeira vez precisamente neste ano, depois dum longo isolamento e com uma retoma ainda lenta da vida social: oxalá cada avô, cada idoso, cada avó, cada idosa (...) receba a visita de um anjo! Esse anjo, algumas vezes, terá o rosto dos nossos netos; outras, dos familiares, dos amigos de longa data ou conhecidos precisamente neste momento difícil”.
Depois de um claro apelo aos avós e idosos para que sintam a presença de Deus na Palavra divina lida ou escutada, mas sempre meditada e rezada, o Papa afirma que a vocação dos avós, à parte a idade, a condição social e a vivência de cada um, é “salvaguardar as raízes, transmitir a fé aos jovens e cuidar dos pequeninos”. Tendo tido um papel relevante na construção do passado, os avós continuam a ter vez e voz na edificação do futuro, sustentada em três pilares: os sonhos, a memória e a oração.
Na sequência do que diz o profeta Joel (3, 1: “Os vossos anciãos terão sonhos e os jovens terão visões”), os anciãos não podem deixar de sonhar e cabe aos jovens agarrar os sonhos dos idosos e levá-los por diante, alimentando as suas visões juvenis. Por isso, o Papa afirma que “o futuro do mundo está nesta aliança entre os jovens e os idosos”.
É necessário, contudo, entrelaçar os sonhos com a memória, alicerce da vida, e ninguém melhor que os idosos para o fazer. “Recordar é uma missão verdadeira e própria de cada idoso: conservar na memória e levar a memória aos outros”. Ou como diz João Raúl Cotrim, “os avós são a experiência vivida aos netos transmitida”.
Na altura em que anunciou a instituição deste dia, o Papa sublinhou a importância do encontro entre gerações e afirmou que “os avós, tantas vezes, são esquecidos e esquecemos esta riqueza de cuidar das raízes e transmiti-las” (Angelus, 31 de janeiro de 2021). Se “os avós são como raízes que alimentam grandes árvores” (Rayane Araújo), o futuro da sociedade não pode ser pensado sem eles.
Por fim, diz o Papa a cada um deles: “A tua oração é um recurso preciosíssimo: é um pulmão de que não se podem privar a Igreja e o mundo (Evangelii gaudium, 262). Sobretudo neste tempo tão difícil para a humanidade em que estamos – todos na mesma barca – a atravessar o mar tempestuoso da pandemia, a tua intercessão pelo mundo e pela Igreja não é vã, mas indica a todos a serena confiança de um porto seguro”.
Termino com um apelo: olhemos pelos nossos avós, com a presença e os gestos de gratidão ou com orações, se, junto de Deus, olham agora mais intensamente por nós.
Autor: P. João Alberto Correia
Sonhos, Memória e Oração
DM
26 julho 2021