Em novembro de 1985, com vista às eleições legislativas que decorreriam em 16 de março de 1986, o partido socialista francês lançou uma série de cartazes perturbadores, mas com um traço cómico, com os dizeres “Au secours! La droite revient”, original da tradução do presente título. Para credibilizar o mote, vários cidadãos em pânico são encenados nos cartazes: a dona de casa a fazer compras, o operário na obra, a trabalhadora dos serviços domésticos no trabalho e outros.
A governação francesa de então tinha emergido das eleições de 1981, com a vitória da esquerda e uma maioria presidencial do presidente Mitterrand. Este e o primeiro ministro socialista Laurent Fabius, que havia sucedido ao camarada Pierre Mauroy um ano antes, temendo a aproximação da direita que se refletia nas sondagens e na opinião pública, lançaram uma pré-campanha agressiva a apelar ao primarismo do labelo duma direita intuitivamente autoritária e contra os trabalhadores, que não deu frutos, pois assistiu-se à vitória do centro-direita parlamentar, com a nomeação de Jacques Chirac como primeiro ministro e à primeira coabitação.
O cenário político português face ao aproximar das eleições legislativas do final do mês, apresenta algumas similitudes com as apontadas, mormente uma governação de esquerda com apenas mais um que os cinco anos de França, em que algumas sondagens apontam empates técnicos entre os dois principais partidos e sugerem um crescimento dos partidos da direita IL e Chega e em que o Presidente da República, embora não pertença ao partido do governo, tem colaborado com este para além do que seria expetável numa mera coabitação, em nome duma justificada estabilidade política.
Outra comparação possível é o crescimento das forças da extrema direita, em que a votação na Frente Nacional de Le Pen teve alguma expressão, com 9,65% dos votos, confrontando com 0,2 % em 1981, sendo um cenário possível o crescimento do Chega em Portugal com alguma intensidade.
Há dois meses não se vislumbrava a possibilidade de Rui Rio vencer António Costa, face à constante diferença nas intenções de voto de cerca de quinze por centro entre PS e PSD ao longo dos últimos anos. Não é simples encontrar uma explicação para que os partidos surjam tão próximos com o passar de um só mês, admite-se o contributo da coresponsabilização do PS pelas eleições antecipadas, o cansaço do governo, as trapalhadas de alguns ministros ou uma cíclica vontade de mudança.
Não restam dúvidas que a vitória interna de novembro deu novo fôlego a Rio, mostrando-se capaz de unir o partido ou de ter o partido unido em seu redor por tacticismo ou cálculo político, não sendo improvável que uma nova derrota contra Costa ou a incapacidade para formar governo, faça ressurgir a oposição interna. A sujeição a eleições internas que não queria terá sido a alavanca para uma afirmação de liderança que o país lhe pode vir a reconhecer.
O problema está no panorama parlamentar pós-eleitoral, no caso de nenhum dos dois partidos assegurar por si só uma maioria absoluta. Se o PS ganhar com minoria, tendo já recusado a oferta para entender-se com o PSD, terá de negociar à esquerda, o que se afigura complicado, depois de goradas as negociações para a aprovação do último orçamento, a não ser que seja Pedro Nuno Santos a liderar o governo. Costa antecipou a questão, elevando a fasquia para a maioria absoluta, num quadro em que a possibilidade de tal ocorrer nunca foi tão baixa. O PSD enfrenta a mesma situação à direita, em que a melhor hipótese de ter maioria no parlamento impõe o apoio do Chega, que sempre rejeitou. Pode estar a aguardar o resultado das próximas sondagens e, se a projeção do crescimento do PSD se mantiver, acompanhará o pedido do partido rival para que o povo lhe confira uma maioria absoluta, na expetativa que pelo menos a obtenha no Parlamento com o apoio do CDS e da Iniciativa Liberal.
A História política francesa dos últimos 35 anos não deixa margem para dúvidas que o regresso ao poder do centro-direita é tranquilo, nos mesmos moldes em que se aceita um governo de centro-esquerda, venha ou não a concretizar-se em Portugal nas próximas legislativas, aliás, as posições sobre o parlamentarismo, a integração na União Europeias, as parcerias económicas e políticas externas, a defesa, não se diferenciam significativamente entre PS e PSD, o busílis está na diferente valorização do mérito da iniciativa privada.
Autor: Carlos Vilas Boas