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Sociedade decente ou sociedade doente?

  1. Devíamos ser uma sociedade decente, mas estamos cada vez mais no limiar de uma sociedade doente.

Doente porque ancorada na conjuntura imediata e não nos valores perenes; doente porque deixou de pensar, de crer e de amar; doente porque cansada na mente e no coração.

  1. Este «cansaço vital» é magistralmente tipificado por Xabier Pikaza: «O risco maior deste mundo é o cansaço da vida, que se mostra na necessidade de fármacos e drogas que se consomem e na quantidade de suicídios».

Já desaprendemos de «fruir a beleza, reconhecendo todos os dias o valor da vida e bendizendo a Deus por ela».

  1. Não espanta, pois, que uma sociedade assim doente — em que, como alerta Anselmo Borges, o «homo sapiens» se transfigura em «homo demens» — promova mais a morte do que a qualificação da vida.

Que este paroxismo anti-vida receba cobertura política e enquadramento jurídico só revela até que ponto chegou a enfermidade de que padecemos.

  1. Buscadores arfantes de uma felicidade consumista, nunca nos teremos sentido tão infelizes.

Só que – avisa o Papa Francisco – a felicidade «não é algo que se compre». Sendo o homem imagem de um Deus-Amor, «a sua felicidade provém apenas de amar e deixar-se amar».

  1. O problema é que nem sabemos o que é o amor (circunscrito, quase sempre, ao prazer libidinoso). Como poderemos então amar e deixarmo-nos amar?

Daí que o amor seja o que mais ouvimos e o que menos vemos. A «sklêrocardia» (dureza do coração) está a afectar a lucidez da própria inteligência.

  1. Esquecemos que a inteligência não habita só no cérebro. Mais inteligente é sobretudo quem tem melhor coração.

É por isso que Jesus propõe como modelo de inteligência os simples (cf. Mt 11, 25), os que costumam «ver» com o coração.

  1. Uma sociedade será decente quando encorajar o bem-estar de toda a população, a começar pelos mais desprotegidos.

Infelizmente, não é o que acontece. É bem sabido como são (des)tratados muitos doentes e não poucos idosos.

  1. Salta à vista que a «cultura do descarte» – tão agudamente denunciada pelo Papa Francisco – vai acelerando com uma frieza arrepiante.

A pressão ambiental é de tal ordem que muitos acabam por se resignar a aceitar para si o que é (obstinadamente) preceituado por outros.

  1. Uma vez mais, a «morte medicamente assistida» (eufemismo utilizado para evitar «morte provocada» ou «eutanásia) subiu ao Parlamento.

E não faltou sequer uma porção de ironia. Os nossos representantes não se entenderam para tratar da vida dos cidadãos, no Orçamento Geral do Estado. Mas entenderam-se para viabilizar a antecipação da sua morte.

  1. A vida humana já não é inviolável, como estipula a Constituição?

A solução para o sofrimento é a eliminação do sofredor? Não será, antes, a presença e o afecto junto dos que sofrem? Se muitas solidões falassem…


Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira
DM

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16 novembro 2021