Tem sido uma autêntica humilhação para a Igreja as sucessivas denúncias de abusos sexuais de menores por clérigos e outros consagrados. Mais ainda quando envolvem bispos e até cardeais.
A gravidade da situação e a urgência de tomar medidas que castiguem exemplarmente os prevaricadores e criem uma cultura de respeito pelos menores foi a razão principal da reunião de 21 a 24 de Fevereiro, em Roma,com os presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo católico e ainda os superiores gerais das ordens religiosas e especialistas na matéria, num total de mais de 190 pessoas.
Como um dos sinais dos tempos, anote-se o facto de terem sido chamadas a prestar o seu depoimento algumas das vítimas de abusos. E Papa, cardeais e bispos de todo o mundo pediram publicamente perdão e foram convocados a tomar muito a sério o problema.
Eduardo Madureira referia, em artigo de 3/03 neste mesmo jornal, como se tinha passado de um certo fascínio pela pedofilia, – manifestado por consagrados filósofos e escritores franceses, num abaixo-assinado de 1977 em defesa de três homens acusados de terem tido relações sexuais com crianças de 13 e 14 anos dos dois sexos –, à total reprovação. Para isso, muito terá concorrido o caso terrível do rapto e violação de seis raparigas e o assassinato de 4 delas pelo pedófilo belga Marc Dutroux em 1996. Os pedófilos tornaram-se, desde então, verdadeiramente abomináveis.
Não é nada fácil passar de uma cultura do silêncio para não deixar mal a família a que se pertence – e a Igreja é uma família de famílias – para uma prática de total repúdio de um mal sem nome e a obrigação de denunciar às autoridades civis os casos apresentados que mereçam foros de credibilidade, fazendo também a igreja a devida investigação canónica para dirimir o que for mais justo.
É aqui que se jogam muitas coisas: de maneira alguma se podem ter como verdade absoluta e nos termos em que se apresentam, todas as denúncias. Mais: todos têm direito ao bom nome até prova irrefutável em contrário.
As vítimas devem ser acolhidas e de maneira alguma vilipendiadas, mas explicando bem que o processo tem os seus trâmites e não pode passar por alto o direito natural e sagrado de defesa e salvaguarda do bom nome e reputação dos acusados E é a incompreensão de que há condições irrenunciáveis a observar para não ferir ninguém injustamente, que leva muitos, apressadamente, a dizer que a reunião de Roma defraudou.
Queriam que houvesse anúncio de bispos demitidos por silenciarem alguns casos, só porque correm rumores de tal. Como? Assim, sem mais? Seria cair num erro maior, causando danos irreparáveis a inocentes, como infelizmente já aconteceu. Num dos casos, o Papa Francisco teve que pedir publicamente desculpa por ter acreditado e dado força às acusações do denunciante. O célebre caso de Granada, em Espanha.
Imagino a dor e pena que o Santo Padre sente neste momento com a condenação pela justiça civil australiana do cardeal Pell a pena efectiva de prisão. Custa a crer que seja culpado, tal a força e vigor com que desmentiu qualquer envolvimento do género. E mais de 20 as testemunhas que o defenderam com convicção.
O certo é que, para já, está condenado e na prisão. Saber-se-á daqui a uns três meses se o recurso a apresentar resulta em absolvição. E se houver muito de má vontade contra ele e o que representa na Igreja, até pelas posições conservadoras que tomou em matéria de moral sexual? A conferência episcopal australiana diz-se empenhada na verdade e na justiça, e pede que não se tirem conclusões apressadas, pois o processo ainda não terminou.
A Igreja já passou por escândalos e crises bem maiores. E sobreviveu, porque não é obra de homens, mas do Espírito Santo actuando através dos homens e mulheres, e de muitos, bons e santos sacerdotes, religiosos e religiosas. Juan Manuel de Prada, consagrado escritor espanhol, escreve no ABCde 3 de Março: «Eles, – os sacerdotes –, salvaram-me em muitas ocasiões, derramaram sobre mim consolação e paz espiritual, trouxeram muita luz à minha pobre vida pecadora.
Neles contemplei muitas vezes a Cristo: na sua alegria, no seu sofrimento e abnegação, no seu ardor apostólico, na sua bonomia e mansidão, e também na santa ira. E todos eles são homens muito viris e rezadores que, ao fim e ao cabo é o que faz falta para ser um bom sacerdote».
Madureira, citando Mazurette, questiona: «E se fosse, nos ecrãs e na publicidade, que se apresentasse hoje a pedofilia que não queremos ver»? Por todo o lado se vê «uma 'infância sexualizada. A infância é, hoje, simultaneamente sagrada e altamente erotizada».
Autor: Carlos Nuno Vaz
Sobre abusos sexuais de menores por consagrados

DM
9 março 2019