O Governo tem andado muito passivo. Parece abúlico, sem iniciativa, evidencia um quadro clínico preocupante. Apesar da situação de emergência, tem estado refastelado. Nenhum atraso, muita calma como de costume! António Costa anunciou antes de férias que iria anunciar medidas no futuro. À hora em que escrevo ainda não foram apresentadas, mas quando esta crónica for publicada, isso já terá acontecido. Admito que, pelo menos algumas, serão sobreponíveis às propostas do maior partido da oposição anunciadas ainda em Agosto. Vai ficar a dúvida se parte das novas medidas foram concebidas pelo Executivo ou se, pelo contrário, foram copiadas do plano do Partido Social Democrata que se antecipou a demonstrar que era possível recompensar os contribuintes do excesso de impostos arrecadados por via da inflação.
Sobre o estado de saúde do elenco ministerial, convém referir que os últimos governos do Partido Socialista sempre andaram mal medicados, apesar de António Costa dizer, vezes sem conta, que não. De princípio, a solução encontrada foi combinar diferentes princípios activos, mas da soma das partes nunca resultou estabilidade. Nós é que não dávamos conta. Curiosamente, não era a Ministra da Saúde que decidia e administrava a dose, mas o próprio primeiro-ministro. Era ele que decidia tudo, aliás, como sempre fez e continua a fazer. Mas, nessa altura não se notava muito. As contraturas causadas pelo governo de Passos Coelho ainda eram relativamente recentes e qualquer remédio para as maleitas considerava-se aceitável e até dado como bom. Não era, mas como a dor tinha diminuído um bocadinho, tinha-se a sensação de que as medicinas eram apropriadas. Foi o tempo em que muitos tomávamos tudo o que nos davam. Éramos pacientes que acreditávamos em melhores dias. A maioria acreditava que um governo sobre pressão de vários princípios activos era mais estável do que se fosse apenas um componente a formar a solução. No entanto, a pouco e pouco começaram a aparecer as contra-indicações. Costa e os seus ajudantes deram-se conta disso e foi então que a sua estratégia passou a consistir na substituição do conjunto de fármacos por um só, para melhor controlo e decisão mais linear. O chefe de equipa, mas também toda a sua entourage, alimentaram a ideia de que produto seria mais seguro e duradouro, sendo mais fácil, no caso de ser necessário, modificar a dose sem ter de mexer com vários componentes. Quase metade da população, o que em termos de medicina parlamentar correspondia a uma maioria absoluta, acreditou na bondade da proposta e satisfez a ambição do secretário geral socialista. Chegamos ao estado comatoso que se conhece. Da mesma forma que há um certo tipo de mentirosos que de tanto mentir se convencem que as suas mentiras afinal são verdade, António Costa acreditou na medicina e mandou administrar calmantes a todo o Governo e este relaxou. Continua a não decidir nada sem que o chefe de equipa esteja presente e este passou também a prescrever, a si próprio, o mesmo medicamento. Os resultados estão à vista. Entre muitos outros, os médicos estão a que se desligar-se do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e a contratualizar as suas competências com o sector privado. Os serviços de obstetrícia e ginecologia fecham agora e depois, as listas de espera por cirurgias não param de aumentar, faltam cada vez mais médicos de família e há problemas nos serviços de urgência de um grande número de hospitais. Agora, vai ser difícil voltar atrás e recuperar o SNS, tal como foi desenhado, apesar dos portugueses já o estão a pagar mais caro sem que daí retirem benefícios equivalentes. Aconteceu o inimaginável: de defensores acérrimos do SNS, os governos de Costa passaram a ser os que mais contribuíram para o crescimento do sector privado da saúde em Portugal. São conhecidos os efeitos dos calmantes. Até o estrondo matutino da ministra a bater com a porta parece não ter acordado o chefe da equipa, que continua com uma calma inexplicável para um momento de crise como o que atravessamos.
Autor: Luís Martins