No discurso de 23 de Dezembro aos cardeais e membros da Cúria Romana, o Papa Francisco utilizou a palavra ‘humildade’ nada menos que 36 vezes! O adjectivo ‘humilde’, 9 vezes. E o substantivo ‘humilhações’, 2 vezes.
Recordando que o mistério do Natal é o mistério de Deus que vem ao mundo através da humildade, assegura que foi ela a porta de ingresso no mundo e é ela a porta que nós devemos atravessar, despindo as armaduras da própria função e do reconhecimento social e glórias deste mundo, assumindo a própria humildade de Deus. Foi ela que permitiu que o general Sírio Naaman se curasse da lepra.
«A humildade é a capacidade de saber habitar sem desespero e com realismo, alegria e esperança a nossa humanidade, esta humanidade amada e abençoada pelo Senhor. A humildade é compreender que não devemos ter vergonha da nossa fragilidade. Jesus ensina-nos a olhar para a nossa própria miséria com o mesmo amor e ternura com que se olha para uma criança pequenina, frágil, necessitada de tudo».
O contrário da humildade é a soberba. Mas a soberba é como a palha, diz Malaquias (3, 19). E quando chega o fogo, a palha fica em cinzas. Priva-se do que há de mais importante: as raízes e os rebentos. As raízes mostram a nossa ligação vital com o passado de que tomamos linfa para poder viver no presente. Os rebentos são o presente que não morre, mas que se torna amanhã, torna-se futuro. O humilde vive guiado constantemente por dois verbos: recordar – as raízes -, e gerar, fruto das raízes e dos rebentos, e assim vive a alegre abertura da fecundidade. «Recordar não é repetir, mas fazer tesouro, reavivar e, com gratidão, deixar que a força do Espírito Santo faça arder o nosso coração, como com os primeiros discípulos (cf. Lc 24,32).
Jesus abre-nos um caminho, indica-nos um modo e mostra-nos uma meta. Sendo verdade «que, sem humildade, não se pode encontrar Deus, nem se pode fazer experiência de salvação, é igualmente verdade que, sem humildade, nem sequer podemos encontrar o próximo, o irmão e a irmã que vivem ao nosso lado».
«Só a humildade nos permitirá encontrar e escutar, dialogar e discernir, rezar juntos» e fazer a verdadeira caminhada sinodal. Isso implica uma conversão sinodal, um estilo diferente de trabalho, moldado por três palavras-chave: -participação, comunhão e missão. A participação exige um estilo de corresponsabilidade, capaz de «gerar dinâmicas concretas em que todos se sintam participantes activos na missão que devem desempenhar. A autoridade torna-se serviço quando partilha, envolve e ajuda a crescer».
A comunhão nasce essencialmente da relação com Cristo. Ele é que é o centro de tudo. «Aquilo que fortifica a comunhão é poder também rezar juntos, escutar a Palavra de Deus, construir relações que estão para além do simples trabalho e reforçam os laços de bem-estar entre nós, ajudando-nos mutuamente». Não basta a cumplicidade, pois cria divisões e fações, até inimigos. A colaboração exige a grandeza de aceitar a própria parcialidade e a abertura ao trabalho de grupo, mesmo com aqueles que não pensam como nós. Na cumplicidade, está-se juntos para obter um resultado externo. Na colaboração, está-se juntos porque se busca de coração o bem do outro.
A terceira palavra é missão. É ela que nos salva de nos debruçarmos e fecharmos sobre nós próprios. «Só um coração aberto à missão faz com que tudo o que façamos ad intra e ad extra seja sempre marcado pela força regeneradora da chamada do Senhor. E a missão comporta sempre paixão pelos pobres, não só de bens materiais, mas também espirituais, afectivos e morais. Quem tem fome de pão e quem tem fome de sentido é igualmente pobre. A Igreja está chamada a ir ao encontro de todas as pobrezas, e está chamada a pregar o Evangelho a todos, de um modo ou de outro. A missão torna-nos vulneráveis, ajuda-nos a reconhecer a nossa condição de discípulos e permite-nos redescobrir sempre de novo a alegria do Evangelho».
Autor: Carlos Nuno Vaz
Só a humildade permite o caminho sinodal

DM
8 janeiro 2022