As recentes notícias vindas a público sobre o encerramento noturno do Serviço de Urgência Pediátrico do Hospital Garcia de Orta e do Hospital de Chaves, a demissão das chefias intermédias do hospital do Espírito Santo de Évora, ou a falta de dinheiro para pagar a fornecedores de muitas unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) são factos pouco condizentes com o otimismo expresso pelo Primeiro-ministro, Dr. António Costa, no discurso da tomada de posse do governo da XIV legislatura, no pretérito sábado.
Na verdade, quem ouviu ou leu com atenção o discurso do Dr. António Costa e se confronta com as notícias atrás referidas não pode deixar de ficar surpreso e até apreensivo. De facto, olhando o caminho percorrido nos últimos quatro anos e para as promessas agora expressas para igual período de tempo, há razões para não ficar descansado.
Motivos suficientes e pouco tranquilizadores para uma realidade que se vem arrastando ao longo dos anos e que pouco ou quase nada se tem modificado.
Uma realidade baseada na parca autonomia das administrações hospitalares, na modesta participação das estruturas intermédias nas tomadas de decisão e, seguramente a mais grave de todas, a inexorabilidade do tempo que leva ao envelhecimento das equipas e a que tem faltado a resposta necessária.
Particularizando um pouco e apenas para ser mais explícito, um médico ao completar 50 anos de idade tem o direito de deixar de fazer trabalho de urgência e cinco anos mais tarde pode mesmo pedir escusa deste serviço. É evidente que estes profissionais ao serem dispensados destas tarefas específicas são tanto ao mais utéis noutras atividades, como na supervisão assistencial, na preparação dos mais novos e na transmissão de saberes. No entanto, com o avançar dos anos, e caso não haja a correspondente renovação, as equipas destinadas à urgência vão ficando reduzidas até haver roturas insanáveis como foram as referidas naquelas unidades hospitalares.
Porém, os problemas da falta de recursos nos serviços de urgência não se confinam ao envelhecimento das equipas. Os salários praticados na função pública são pouco atrativos para a maioria dos jovens especialistas, sobretudo para os levar a fixarem-se em determinadas regiões do país onde o trabalho é mais árduo, o custo de vida é elevado, ou a interioridade é ameaça de isolamento.
No primeiro caso parece estar o Hospital Garcia de Orta, onde o trabalho é intenso e penoso, no segundo, onde o custo de vida a começar pela habitação é exagerado, está o Centro Hospitalar do Algarve e, por último, os hospitais do interior do país onde os meios e os apoios são mais escassos.
Se o rejuvenescimento é um imperativo importante para a satisfação de todas as atividades de qualquer serviço incluindo a prestação de cuidados assistenciais no internamento, no serviço de urgência, de formação e de investigação clínica, a manutenção, a renovação e a aquisição de novos equipamentos é outra necessidade que não se deve protelar, sob pena de não suster a fuga de muitos profissionais que encontram no setor privado e até social melhores condições técnicas para exerceram as suas competências. Deste modo, todas as notícias que referem falta de recursos financeiros para cumprir obrigações assumidas não podem deixar ninguém indiferente.
No prelúdio da recente legislatura e de novo governo, seguir atentamente todos os propósitos que possam conduzir a melhorar a vida de todos os portugueses é não só uma obrigação de quem pugna pelo bem comum, mas também uma forma de preparar o escrutínio de todas as promessas vindas agora à luz do dia.
As notícias acima anunciadas não são naturalmente um bom presságio para o nosso SNS. Só por si evidenciam manifestos sinais e sintomas dos males aqui retratados e de outros a que é preciso acudir sem muitas demoras.
Que o otimismo do Dr. António Costa, amplamente manifestado no discurso de posse do novo governo de Portugal, se materialize rapidamente no Serviço Nacional de Saúde, é certamente um dos grandes desejos da maioria dos portugueses.
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira