Na última partilha que efetuei deixei ficar uma interpelação que considero muito pertinente. Um dos grandes desafios da Igreja, particularmente nos últimos tempos, é a abundância dos textos. São elaborados em grupo ou individualmente Refletem exigências e colocam muitos desafios. Só que, posteriormente, não fogem dos espaços dos arquivos ou dos registos informáticos. Servem, muitas vezes, para se lamentar que não foram colocados em prática e que as ideias já foram refletidas muitas vezes. Parece um tempo perdido sem repercussão na vida das pessoas e das comunidades.
Foi por esta razão que formulava para mim e para quem me quisesse ouvir, se efetivamente estávamos motivados e disponíveis para, no que nos diz respeito, mudar estilos e comportamentos de vida assim como estratégias e dinâmicas pastorais. Volto a repetir a mesma pergunta e desejo que encontre o eco de conversão no sentido de referir que a gravidade da situação que vivemos já não se compraz com pensamentos bonitos. Ou damos um passo em frente e apostamos na mudança, talvez a partir de pequenos gestos, ou corremos o risco de reconhecer que poderá ser mais uma etapa perdida. Não quero que seja. Gostaria que o comum da Igreja acreditasse que vivemos um tempo novo a pedir mudanças novas.
Há dias, li um pensamento do Papa Francisco que me inquietou interiormente: «Tens um coração que deseja qualquer coisa de grande ou um coração adormecido pelas coisas. O teu coração conservou a inquietação da procura ou deixaste-o sufocar pelas coisas, que terminam por o atrofiar». Depois, o Papa acrescentava, ainda, que «sem desejos o homem é incompreensível". Eis aqui o grande problema da Igreja mesmo neste discernimento de intuir o que o Espírito está a pedir e de não termos a sensibilidade para reconhecer que o pouco de cada um, feito a sério e com alguma dose de qualidade, é o que nos é pedido nesta hora. Costuma-se dizer que o deleguismo é o grande inimigo do caminho eclesial. Por outro lado, pensa-se que dada a colaboração está tudo feito. Só que falta mostrar a verdade de quando sugerimos ou exigimos. Sabemos que algumas decisões estruturais nos ultrapassarão. Chegarão as Assembleias sinodais e a vontade do Santo Padre. Com algum retoques e avanços em coisas possíveis a imagem começará a ser diferente.
Queres, efetivamente, mudar os estilos de vida e as estratégias pastorais? O Sínodo está em movimento.
Seja-me permitida mais um pensamento do Papa. A sua linguagem mordente diz muitas coisas que não as entendemos como habituais das palavras que expressam o que queremos ser, apegados a critérios que sempre nos motivaram. Este estar disponíveis para mudar terá de ser feito no plural. Juntos caracteriza o Sínodo. Precisamos de interiorizar as ideias e opões. Mas, posteriormente, colocar a luz de Jesus no meio quando nos reunimos no amor que faz compreender o que o Espírito tem a dizia à Igreja. Diz o Papa. "O Espírito Santo não quer que a recordação do Mestre seja cultivada em grupos fechados, em cenáculos onde readquire o gosto de "fazer ninho". Esta é uma grave doença que pode acontecer: A Igreja non comunidade, non família, non mãe, mas ninho. Ela abre, relança, impele para para além do já dito e do já feito. Ela impele para além dos recintos de uma fé tímida e curandeira. No mundo, sem grupos compactos e uma estratégia calculada, se vai a reboque. Na Igreja, pelo contrário, o Espírito Santo garante a unidade a quem anuncia. E os Apóstolos partem: mesmo se impreparados, metem-se em jogo e saem, fechados nas relações personalizadas com Deus e não queremos ir até Ele através dos irmãos. Saber que nunca seremos felizes se não sairmos de nós mesmos para nos realizarmos felizmente com os outros, através de relações que se tornam o respiro da nossa vida e fazem com que esta seja fecunda, na fecundidade do amor. Somos chamados a viver a vida na família, na paróquia, na diocese e tornar estes lugares ditos sagrados abertos a crescer e teremos de sair para condividir com os outros a riqueza do dom de Deus em nós. Também Ele não está marcado pelo direito de propriedade privado. Só a comunhão torna família e o mundo saberá reconhecer a originalidade dum viver onde a relacionalidade se torna estruturante do viver em sociedade. Neste tempo de caminhada sinodal que quer mostrar a vontade de mudar e transformar procuremos sair dos nossos cenáculos, dos nosso ninhos, dos aconchegos das sedes e sejamos capazes de partir para condividir a riqueza do dom de Deus que nos é oferecido em cada momento.
Autor: D. Jorge Ortiga