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Sínodo, a comunhão que condiciona

O título proposto para esta caminhada longa da história da Igreja intitula-se: Sínodo, Comunhão, participação e missão. Colocar a palavra comunhão num titulo está, à partida, a supor e a exigir um objetivo a ser perseguido e uma condicionante para que ele seja alcançado. É para aí que caminhamos e é isto que teremos de perseguir em toda a actividade sinodal. A Igreja sindical terá de ser comunhão.

Desde o início se impõe uma precisão, talvez mesmo uma formulação catequética. Usamos muito pouco a palavra comunhão e quando o fazemos quase que a colocamos exclusivamente no domínio da vivência da comunhão eucarística. No civil, podemos chegar a um explicitar a vida do casal com a expressão de casamento “em regime de comunhão de bens”. Depois, vamos-nos ficando por uma caracterização previdentemente religiosa. Usamos a palavra comunhão para a “primeira comunhão”, “fazer comunhão”, tudo relacionado com o mistério eucarístico. Outras vezes, privilegiamos a relação entre as Igrejas, como “comunhão de Igrejas” ou mesmo com o Papa e os Bispos. Em poucas palavras, poderemos afirmar que este conceito nos conduz a algo que deve significar acordo, unidade, com-união. Aplicar à vida das pessoas entre si é muito menos frequente e só agora começa a ter algumas implicações. Só que é o caminho diferenciador da Igreja em relação a todas as outras sociedades que se tornou característico nos momentos de maior fidelidade evangélica. Isto significa que deve voltar a ser paradigmática e programática como verdadeiramente estruturante do ser e agir ecclesial.

Esta prioridade é mesmo constitutiva de todo o pensamento do Papa Francisco. Podemos recordar quanto expressou na sua Exortação Apostólica, programática de todo o seu serviço Petrino. O concílio Vaticano II já foi prolixo no sublinhar esta vertente. Interrrogo-me, porém, se já entrou não só no léxico quanto no quotidiano eclesial e se já exerce a influência que deveria exercer. O Papa Francisco fala dela a partir do seu habitual realismo. Reconhece os conflitos, as diferenças que podem afastar mas diz que também se devem tornar uma oportunidade para aproximar e unir, tornando a unidade mais consistente. “Perante o conflito, alguns limitam-se a olhá-lo e passam adiante como se nada fosse, lavam as nãos para poder continuar com a sua vida. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem horizontes, projectam nas instituições as suas próprias confusões e insatisfações e, assim, a unidade torna-se impossível. Mas há uma terceira forma, a mais adequada, de enfrentar o conflito: é aceitar suportar o conflito, desenvolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo. “Felizes os pacificadores” (Mt.5,9) ( E. G. 227).

Pensar na comunhão, que não é apenas eucarística nem estrutural na Igreja mas deve tornar-se vital do dinamismo da vida dos cristãos e, particularmente, no âmbito das comunidades cristãs, significa testemunhar sinodalidade, talvez como o primeiro passo pois é possível desenvolver uma verdadeira comunhão nas diferenças. Não será este um dos principais obstáculos à vivência humana e espiritual da Sinodalidade? Vamos para uma equipa, para um conselho pastoral verdadeiramente ancorados ao nosso modo de pensar e viver o problema. Temos dito que discernir, seguindo o Espírito, deveria significar a máxima abertura quando quando cada um se coloca na atitude de escutar. Só que os conflitos acompanham sempre. As discussões acendem-se. As ideias defendem-se acaloradamente. Somos nós e as nossas interpretações muitas vezes pensando que mais ninguém vê o problema melhor do que nós. Isto para padres e leigos, alguns com cultura teológica, outras com a catequese elementar, mas sem vontade de perder as ideias. Tudo deve ser acolhido sem juízos ou preconceitos. Aqui está a reviravolta a dar, a conversar, a efetuar, e a necessidade de, concretamente, acreditar no que o Papa Francisco diz.

Devemos ser capazes de nos apaixonarmos pela ideia do diálogo franco e aberto. Posteriormente, a conciliação acontece e a diversidade enriquece. Trata-se de uma unidade pluriforme, como algo muito importante a destruir qualquer tipo de uniformidade. É belo quanto diz o Papa Francisco: “Não é apostar no sincretismo ou na absorção de um no outro, mas na resolução num plano superior que conserva em si as preciosas potencialidades das polaridades diferentes (E. G:228).

É esta comunhão que dá trabalho mas proporciona profundas resultados, nas coisas pequenas, que habitualmente são aquelas que geram conflitos, dissensões, abandono das comunidades, assim como nas estruturais que podem marcar rumos diferente para o futuro. Se até aqui tudo parece muito natural como a técnica de uma reunião de grupo, aqui terá de entrar a vertente espiritual, não como uma achega ou técnica mas como verdadeira vivência evangélica. Para que isto seja possível nunca poderá ser esquecida outra frase-certeza de Cristo. É muito usada mas nem sempre dum modo consciente. A sinodalidade terá de descer, recuperar como segredo para avançar em caminhos novos duma espiritualidade que impulsionará o caminho sinodal. O Evangelista S. Mateus fala das questões existentes ou a existir na comunidade. Era realista. Elas estavam a acontecer e continuariam a acontecer. Era preciso o encontro frontal do diálogo, exposição das razões, mas só a força vinda de outro lado iria recompor a caridade.

As palavras ou razões não bastavam. Algo mais era necessário. “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles”. Só Ele recompunha o que parecia impossível e que estava para além das forças humanas. Era necessário criar estas condições para que ele estivesse presente. Tudo o resto aconteceriam. Importava amar-se como Ele amou, o que significa estar na disposição de dar a a vida pelo outro como Ele a deu. Dar a vida como pressuposto é a luz que esclarece e gera a comunhão. Pode parecer uma linguagem ultrapassada. Importa a personalidade própria, o reconhecimento dos estudos e das competências. Só o dar a vida cicatriza e mostra a beleza da unidade reparada.

A sinodalidade passa por esta comunhão. Voltarei ao assunto. Quis partir do essencial. Convido a que seja feita a experiência. No início dum encontro sinodal, importa ousar esta atitude de silenciosa ou publicamente dizer “estou disposto(a) a dar a vida por ti”. Não é uma opinião que perco. É mais. A luz encontrada pode ser totalmente diferente do pensar de um ou de outro ou mesmo da soma das verdades. É algo novo que nunca tinha sido pensado e é isso que a Igreja precisa. O Novo que Ele é, presente no meio de nós e a caminhar sugerindo e dizendo que continua a ser o Caminho, a Verdade e a vida. É a única hipótese de não tornarmos a sinodalidade mais uma aventura pastoral com poucos resultados e a cansar dentro de pouco tempo.


Autor: D. Jorge Ortiga
DM

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31 dezembro 2022