1.O mundo já não é bemuma aldeia, como vaticinara Marshall McLhuan. Para Gilles Lipovetsky, tornou-se, tão-somente, um mercado.
O poder do mercado é imenso e a sua influência nem sequer édemasiado subtil. É sobretudo muito perigosa.
Se repararmos bem, já não é a democracia que tutela o mercado. É o mercado que tutela a democracia.
É o mercado que dita regras e impõe leis. «O poder do mercado estrangula a liberdade da governação. Hoje em dia, há uma hipertrofia do mundo capitalista que faz a democracia perder o poder que tinha».
Já não é a política que manda. Temos todos «o sentimento de que a democracia é fraca em comparação com o mercado. Há como que uma impotência política por oposição à hiperpotência económica».
O mercado permite-nos satisfazer necessidades básicas. Mas a evolução que tomou impede-nos de realizar as nossas aspirações.
É que, talvez sem darmos conta, deixámos de ser cidadãos para nos transformarmos em consumidores.
O mercado foi um sonho que se está a tornar um pesadelo. Começámos por ver realizadas necessidades materiais e, de repente, verificamos que há um limite para a sua concretização.
O desejo de ter rapidamente degenerou na ambição de possuir.
2. Na hora presente, tornamo-nos críticos do modelo que desenhámos. Mas nem assim conseguimos sair do cerco em que nos enredámos.
Denunciamos o consumismo, mas não paramos de consumir. E sofremos imenso quando não consumimos tanto como gostaríamos.
Acompanhamos as revoluções no exterior, mas porventura não nos apercebemos da revolução que se vai operando no nosso interior. É que, no fundo, substituímos a felicidade pela satisfação.
A felicidade preenche-se com ideais. Já a satisfação limita-se aos produtos. A felicidade não dispensa o bem. A satisfação alimenta-se de bens.
3. Num mundo dominado pelo mercado, tudo tem um preço e nada parece ter valor.
Como assinala Lipovetsky, «o mercado tem uma lógica que faz com que não se ocupe dos valores». O seu objectivo é o lucro.A sua motivação é a concorrência. Aqui, «não há valores éticos».
Deixámos de aspirar pelo melhor para nos concentrarmos no mais: mais dinheiro, mais dinheiro, mais dinheiro.
Para muitos, «não há outro fim. É o dinheiro pelo dinheiro, ganhar por ganhar. Se não ganhas, morres. A moral não existe neste terreno».
Daí a sensação de «uma ferida democrática que se manifesta numa decepção democrática». Há um grande afastamento e uma enorme «desconfiança em relação aos políticos».
As pessoas votam cada vez menos até porque sabem que a decisão não está na política. Está na economia. Está nos mercados.
4. Para Lipovetsky,a espiral dominadora do mercado e a vertigem do consumo ainda não pararam. Ainda estão na fase ascendente. E não vão ser a ética e a moral a deter o movimento.
Actualmente, somos impotentes para fazer recuar a loucura do consumo. E não haverá qualquer possibilidade? Só por uma «transformação do sistema escolar, que leve as pessoasa encontrar um sentido para a vida para lá do consumo».
Por muito que nos iludamos, «o consumo não foi concebido paranos dar felicidade. O consumo significa apenas satisfação. A prova é que se pode consumir sem que se esteja feliz».
Há, pois, que apostar num novo paradigma de existência, menos dependente das coisas materiais. Precisamos de um novo espírito, de maior interioridade, de mais lucidez.
Precisamos, enfim, de reencontrar a nossa alma.
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira
Será o mundo (apenas) um mercado?

DM
6 novembro 2018