De ambos os lados – público e privado – guarda gratas recordações, embora deva confessar que sempre lhe causou um profundo mal-estar a desconfiança, a sobranceria e o desacerto com que as instâncias do ministério do ramo tratavam o ensino privado.
Tanto, quanto me parece, há duas razões fundamentais: uma, a mais importante, o receio de que o ensino privado dê melhor conta de si do que o público. E a outra, que se une muito aos complexos gerados pela primeira, à suposta obrigação de que o ensino público deve ser o motor – quando não único – de toda e escolaridade do país.
Estas duas razões são uma herança muito forte do regime do “Estado Novo”. O ensino privado era muito vigiado pelo salazarismo. Nunca lhe deu uma liberdade e uma capacidade de resolução dos problemas pedagógicos que lhe permitisse viver com plena autonomia do ensino público. Recordemos, por exemplo, que os graus académicos, desde a primária até ao final do ensino liceal, tinham de ser vistoriados e aprovados pelo ensino público. Os alunos das escolas privadas eram obrigados a fazer os exames das diversas etapas curriculares nas escolas ou liceus do Estado, que os aprovavam ou reprovavam.
Num sistema ditatorial, compreende-se que seja assim, porque tudo o que sai fora da alçada tentacular dos seus próceres, pode ser um perigo para a manutenção da ordem que eles consideram dever existir. E não se diga que a Igreja foi muito beneficiada com este sistema, porque não tinha ajuda económica séria para poder competir, pelo menos nos custos dos estudos dos alunos, com os estabelecimentos públicos – escolas primárias, liceus, escolas técnicas, etc. –, salvo naqueles casos em que numa localidade importante não se tivesse ainda instalado uma escola pública. Certamente que havia aulas de Religião e Moral de orientação católica, mas ai do professor que dissesse, sugerisse ou palmilhasse caminhos distintos daqueles que o Ministério da Educação determinasse...
Esta mentalidade proteccionista, paternalista, ao fim e ao cabo, monopolista das iniciativas, das ideias e dos métodos pedagógicos do ensino continua a ser muito comum na nossa mentalidade. O regime de Salazar acabou, mas deixou estas raízes que germinam e prosseguem na cabeça de muitos portugueses.
Considera-se o ensino público como aquele que deve predominar e abarcar como um polvo monumental toda a escolaridade do país. O privado pode manter-se como um acidente sem relevo e desnecessário, porque é o Estado que tem de ensinar e educar em todos os âmbitos e em todas as matérias. O Ministério da Educação fornece as ideias base do que devem aprender, a forma de pensar e até de comportar-se dos filhos das famílias portuguesas. E se os pais não concordam com elas? Metam os filhos no ensino privado e paguem essa estroinice de meninos ricos.
Ninguém duvida que ao Estado compete promover e garantir aos cidadãos uma educação adequada e digna. Mas que não o faça como os regimes totalitários – assim procederam os de teor marxista ou fascista – cerceando ou até retirando às famílias o direito de educar os filhos de acordo com os seus princípios fundamentais.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva