E aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando (…) Em vós, se vêem da Olímpica morada, dos dois avós as almas cá famosas; uma na paz angélica dourada, outra, pelas batalhas sanguinosas. Em vós esperam ver-se renovada sua memória e obras valorosas; e lá vos tem lugar, no fim da idade, no templo da suprema Eternidade (Os Lusíadas, I,2,5-6 e 17). Inspirado pela mitologia, pelos heróis da Grécia antiga e ancorado, no florir do Renascimento, entre a dignidade Humana e a fé em Deus, Camões exalta a maior epopeia de um povo que, apesar de deixar ao Homem a responsabilidade que lhe garante o mérito da ação épica, o mesmo Homem não pode prescindir do amor, do auxílio Divino e do Transcendente. O Homem, como ser superior e inteligente, é o criador da tecnologia, da ciência e da arte em todas as suas dimensões. Ao longo da sua vida, o ser Humano, em liberdade, tem o caminho aberto para, com os seus feitos, talentos ou méritos, ser sábio, herói ou Santo. Como ser relacional que é, pode contribuir, no âmbito da sua razão, para a felicidade, alegria, seu bem e bem comum. Mas, sendo o Homem um ser livre, o mesmo segue, muitas vezes, não o caminho do bem e do bem comum mas o caminho do mal, da infelicidade, tristeza, do sofrimento das vítimas das suas ações e, já neste mundo, o caminho das trevas. Muito recentemente a comunicação social deu-nos a conhecer uma mãe que, após dar à luz uma criança inocente, depositou-a e abandonou-a num contentor do lixo. Não havendo pobreza material que justifique tal ato, também não nos interessa citar as leis ou a justiça porque esta é feita pelos Homens e, em muitos casos, não é justa. Temos apenas algumas evidências que resultam do conhecimento humano e lógico. É uma mãe inserida numa sociedade com aparente falta de valores, na qual, muitos dos seus atores políticos não perdem nenhuma oportunidade de a desrespeitar e de a fraturar (ex. atual – tentam implementar a eutanásia). Um ato destes, indicia-nos a ausência do bem, frieza de sentimentos humanos e inexistência de temor a Deus e de amor.
O ser Humano é na verdade um ser misterioso. Apesar da sua inteligência e superioridade é um dos seres mais frágeis à face da Terra. Nos primeiros tempos da sua vida, não subsistiria mais do que muito poucas horas sem os cuidados e amor dos pais ou de quem os substitua. A mesma fragilidade é evidente quanto à duração do tempo em que milita no mundo físico. E, quando nasce, a única certeza que tem, acontecendo de forma natural, é que a sua tenda, ou caverna como diz Platão, é limitada e finita.
Segundo S. Lucas, aproximando-se de Jesus Cristo alguns saduceus, estes perguntaram-Lhe: “Uma mulher casou com sete irmãos, sucessivamente, após a morte de cada um, não tendo havido filhos de nenhum deles. Por fim, morreu também a mulher. Na ressurreição de qual deles será ela mulher, pois que o foi de todos os sete?“. Jesus disse-lhes: “Os filhos deste mundo casam e são dados em casamento porque morrem. Os filhos de Deus, visto serem filhos da ressurreição dos mortos não desposarão mulheres, nem as mulheres homens, porquanto são semelhantes aos anjos e jamais poderão morrer”. Jesus disse-lhes ainda: “Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos são vivos”. Sendo todos nós vivos, mesmo no futuro infinito, a verdade é que Deus também ama e respeita a nossa liberdade. Por isso, Deus não nos poderá salvar sem a participação consciente da nossa vontade. Logo, a nossa vontade terá de ser manifestada e vivida neste mundo militante para que não aconteça termos de viver a tristeza nas trevas do sofrimento e, consequentemente, não podermos viver o amor e a gratidão infinita de Deus. A fé dos Cristãos consiste, fundamentalmente, na ressurreição dos mortos, como nos testemunhou Jesus Cristo ao fazer-se Homem e com a Sua Ressurreição. A ressurreição e a vida eterna não são uma reflexão filosófica. Para além de muitos outros testemunhos, no diálogo com os saduceus Jesus Cristo não se limita a confirmar a Verdade de que jamais poderemos morrer. Dá-nos, essencialmente, a certeza do amor de Deus na esperança da vida eterna. Mais um mês passou nas nossas vidas, o mês de Novembro, também conhecido pelo mês das almas. Que compreendamos cada vez melhor a dimensão Humana e a misteriosa realidade do ser vivo para além da morte.
Autor: Abel de Freitas Amorim