Fazemos, a todas as horas, contas ao tempo, sabendo que passa e não volta atrás, querendo que passe ou que se atrase consoante o momento. Porém, o tempo, imune às nossas vontades, vai, num marca-passo constante, minuto a minuto, somando horas aos nossos dias de vida que se tornarão anos, ou não, consoante a vontade de Deus.
De facto é o tempo que vai regulando a nossa existência e tudo o que fazemos ou deixamos por fazer, de bem ou de mal, tem um tempo a si predestinado.
Diariamente, no exercício da profissão que abracei, sinto a fugacidade do tempo. Do tempo que me obriga a acabar a consulta mais cedo para não atrasar a seguinte. Do tempo que não me dá tempo para ouvir o doente como eu gostaria que me ouvissem se fosse eu o doente. Sinto a implacabilidade do tempo quando vejo que são, apenas vinte, os curtos minutos que separam o início do fim da consulta.
Bem sei que a Medicina Geral e Familiar é uma especialidade que se caracteriza por «ter um processo de consulta singular em que se estabelece uma relação ao longo do tempo, através de uma comunicação médico-paciente efetiva» que assenta numa «prestação de cuidados continuados longitudinalmente consoante as necessidades do paciente» (Definição Europeia, WONCA).
Assenta em cuidados transversais, no tempo, onde se vai, dia após dia, consulta após consulta, construindo e aprimorando, paulatinamente, a relação médico-paciente.
Na verdade, a construção desta relação, que se quer empática, não se edifica nem alicerça numa só consulta, sendo o resultado dos sucessivos encontros e reencontros entre o médico e o doente. Dirão os entendidos que as Unidades de Saúde Familiar têm autonomia suficiente para alterar os tempos da consulta, para mais ou para menos, consoante a visão de cada equipa de saúde.
Mas como fazer isso com as atuais listas de utentes em que um médico tem a seu cuidado mais de 1800 pessoas? Ainda há uns anos atrás, um parecer do Tribunal de Contas propôs a redução do tempo de consulta para quinze minutos em vez dos atuais vinte, numa visão quase industrial do ato médico, como se fosse mais importante incrementar as consultas em quantidade do que melhorar a sua qualidade. É esta a visão, mais assente em cálculos matemáticos do que focada na realidade, que é preciso contrariar!
Defendo mais tempo para os doentes como garante de mais qualidade do ato médico. Defendo-o, não porque queira trabalhar menos, mas sim porque ambiciono trabalhar melhor. Sei que, para isso, são necessárias, impreterivelmente, outras medidas adjuvantes como a redução das listas de utentes dos médicos de família que, há tantos anos, são uma luta da classe médica.
Seria, também, necessária a contratação de mais profissionais para esta especialidade, medidas que, naturalmente, aumentam a despesa e, portanto, são pouco populares para os governos, sobretudo para o atual da geringonça que, parece-me a mim, não vê o setor da saúde como prioritário.
Aliás, em 2018, até nos apresentou um orçamento para a saúde que foi o mais baixo de que há memória nos últimos quinze anos (4,5% do PIB). Há tanto mais em que poupar!
Quo vadis SNS?
Autor: Luís Sousa