1. A gentileza sempre foi considerada uma forma de elegância e de requinte pessoal, de educação, de nobreza, de espírito de cavalheirismo. Não apenas na sua forma de estar para com os outros, mas também nos sentimentos a ela associados consigo próprio. É por isso que ser gentil abre mais facilmente janelas ao diálogo e ao respeito mútuo. Era considerado o modelo para a educação do príncipe e do diplomata. É pena que, depois do 25 de Abril, se tenha perdido o apreço pela cultura das boas maneiras, que tem vindo a melhorar. Confundiu-se ser de esquerda com ser agressivo e desleixado no modo de vestir porque assim é que se era revolucionário. Espero que tenha sido uma fase mais primitiva, porque é cada vez mais consensual entre cientistas políticos que as manifestações políticas não violentas são mais bem-sucedidas para atingir os seus objectivos políticos do que as violentas. Não raro se confundem problemas pessoais com opções políticas de esquerda, convencidos que estar contra é sinónimo de esquerda. Não é.
Educação é uma forma de cultura. E cultura não é de direita nem de esquerda, é humana.
A gentileza não é incompatível com ser uma pessoa de carácter, pois as duas dimensões mutuamente se temperam. Até mesmo na selecção de pessoal para emprego a urbanidade continua a ser um cartão de visitas de preferência. Pessoas com tradição familiar têm sempre as portas de selecção mais abertas no mercado de trabalho. Torna cada vez mais necessário promover na família a educação de boas maneiras nas novas gerações, porque a gentileza depende muito da cultura aprendida no meio familiar.
2. Embora a gentileza seja fundamentalmente um modo de se relacionar com os outros, ela traduz implicitamente o modo de ser pessoal de encarar as pessoas e a realidade. Para além das boas maneiras, a gentileza é uma forma de sentir os problemas reais da vida e dos outros. É nesse sentido pessoal que uma investigação concluiu que ser gentil consigo mesmo pode também trazer benefícios mentais e físicos para o próprio. Verificou-se que participar em exercícios de autocompaixão acalma a frequência cardíaca, ao desligar as respostas corporais da reacção de ameaça, que é desencadeada pela ansiedade e pelo stress. Já se sabia que um estado de reacção frequente contra uma ameaça (real ou imaginária) acarreta danos para o sistema imunitário porque se traduz em alterações endocrinológicas que fazem mal (1). Partindo dessa constatação, investigadores da universidade de Oxford (Reino Unido) queriam confirmar se a capacidade de desactivar essas respostas psicossomáticas poderia diminuir os riscos a elas inerentes. Então, convidaram 135 estudantes saudáveis para fazerem essa experiência, dividindo-os em 2 grupos e a cada grupo sendo dadas instruções diferentes.
Antes disso, porém, todos fizeram medições físicas da frequência cardíaca e da resposta à ansiedade e stress pelo suor; e foi pedido que, depois, relatassem como se estavam a sentir. As perguntas que lhe seriam feitas versavam sobre o seu sentimento de segurança, sobre a probabilidade de serem gentis consigo mesmos e sobre o grau de relação com os outros. Esta experiência foi, depois, publicada na Revista Clinical Psychological Science.
2.1. Ao grupo 1, foram dadas instruções encorajando-os a serem bondosos consigo mesmos. Terminada a sessão, o grupo relatou que sentia mais compaixão e conexão com os outros. E os sinais corporais confirmaram-no: os batimentos cardíacos baixaram e aumentou a variação no tempo entre os batimentos cardíacos, sinal saudável de um coração que pode responder de forma flexível às situações de stress. A resposta à ansiedade pelo suor também baixou.
2.2. Ao grupo 2, foram dadas instruções para que reflectissem criticamente sobre esta sugestão de ser gentil consigo mesmo. Naturalmente que estas instruções poderiam, depois, influenciar as suas respostas. No que respeita à medição dos sinais corporais, que representam um sinal inconsciente da sua reação corporal, eles mostraram um aumento da frequência cardíacae uma resposta mais intensa do suor, característica dos sentimentos de ansiedade.
3. Esta experiência veio demonstrar que ser gentil para consigo próprio pode contribuir para melhorar a saúde imunitária e ser benéfico para a sua própria saúde em geral porque, ao desligar a resposta fisiológica de reacção a ameaças, ela reforça o sistema imunitário. E, nos dias de hoje, com a pandemia que se esconde em qualquer lado, tudo o que possa contribuir para melhorar a resistência imunológica é sinal de esperança de vida… À margem disso, veio também demostrar os segredos de saber apresentar uma mensagem e do modo como se apresenta: as diferenças de respostas entre os dois grupos mostram como, não apenas o conteúdo da mensagem, mas também o modo como ela se apresenta, podem ter efeitos diferentes.
(Vaz Serra, O stress na vida de todos dias)
PS: para si, nestes dias de apreensão, uma mensagem de esperança, de confiança, de solidariedade… A Primavera depressa chegará!
Autor: M. Ribeiro Fernandes