Como é lógico, podemo-nos aperceber do defeito de ser-se normal por excesso, ou normal por defeito. Pode-se ser normal por excesso se, a atitude é dentro de toda a normalidade, com disciplina, controlo rigoroso, até conservadora por um real estado de espírito.
Já a normalidade por defeito, a normose por defeito, entre outras, pode acontecer de uns não ensinarem tudo o que sabem aos outros, de outros ainda não praticarem o que ensinam e, pior ainda, o grau máximo da normose por defeito, é sentir a necessidade saber mais para ser normal e demitir-se de perguntar a quem sabe.
Este arrazoado – certo, errado, confuso ou polémico – para afirmar que ao contrário do que muitos optimistas anunciam do nosso país, (estar mudado, mais evoluído, mais isto e aquilo), os lideres que nos tangem e nos representam, vivem, há dezenas e dezenas de anos em normose, praticando o normal: não são, pouco pensam e nada fazem por Portugal que não seja a prática do ser-se normal.
Recordemos o que fizeram os primeiros republicanos: destruíram a monarquia, enxotaram militares de alta patente, criaram privilegiados, sacaram, anarquizaram: praticaram a normalidade. O Estado Novo derrubou os políticos anteriores, destituíram militares, ossificaram o povo e foram para a tumba milhares de portugueses com fome e com tuberculose: praticaram a normalidade.
Veio a revolução do vinte e cinco do quatro, atiraram para a Reserva militares novos, praticaram o assalto ao poder, fizeram perseguições, tomaram conta de postos de trabalho que davam altos vencimentos e jactância e fizeram de tenentes majores, de capitães coronéis e generais, sem que habilitação para isso tivessem – foram banais, normais: todos praticaram normose.
Bem sei que, de certo modo, poucas coisas ou poucos acontecimentos diferentes acontecem pelo mundo. E quando algo acontece, o mundo sabe, aprecia ou não a diferença, mas, normalmente todo o mundo tem o defeito da prática da normalidade.
Desde que me conheço, em Portugal só dois acontecimentos fugiram à normalidade: que foi o actual primeiro-ministro António Costa, olvidar o resultado das eleições legislativas últimas e formar a geringonça ou o calhambeque como gosto de dizer, embora depois tenha entrado na prática da normalidade. O outro acontecimento de fuga à normalidade, é ver a acalmia na acção sindical dos partidos de extrema-esquerda, porque António Costa, contrariando a normose do seu partido nestes mais de 50 anos, fez promessas inequívocas aos PCP e Intersindical que, a não serem cumpridas, semana sim semana não, a agitação social retoma a normalidade.
Pelo que, fugir à normose, era por exemplo sanar a fome, derreter a dívida que esmaga o povo, repor as pensões que se auferiam em 2010, travar o crescimento de larápios, dar guerra aos madraços e acabar definitivamente com os grandes privilégios d’alguns milhares, fortalecer a classe média e haver mais justiça social nos lucros auferidos, nascidos no mundo do trabalho.
Nenhuma pessoa ou povo, tem facilidades de agir diferente, isto é, de fugir ao normal, à normose. É preciso coragem, entrega, determinação, sacrifício, honra, verticalidade e, em tantos casos é necessário ser-se herói. Mas conhecemos lideres que foram diferentes, heróis, quer como pessoas da sociedade, como profissionais e como chefes de família. Também sabemos de lideres religiosos que foram puros nas atitudes tomadas em prol do povo e na defesa dos seus ideais – tantos, tantos, são hoje santos que se esqueceram de si mesmos e tudo foram para os outros.
Ninguém tem dúvidas de que o Cristo dos evangelhos foi desde o Seu tempo até aos nossos dias, o Único diferente. Rigorosamente não foi normal e até a Sua mensagem fugiu a todas as normoses, as quais, há mais de dois mil anos mantém paixões e seguidores.
Não foi por acaso que D. Jorge Ortiga na Sé, na Missa da Ressurreição deste 2017, convidou os cristãos a “ser como todos os outros, mas com uma atitude deferente, tornando-se, desse modo, a alma do mundo”. Ser diferente, recusar a normalidade.
(O autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
Autor: Artur Soares