As recentes agressões à integridade física a médicos no exercício das suas funções despoletou um ancestral problema para a necessidade de segurança de todos os profissionais de saúde.
A minha passagem profissional de dezassete anos no Serviço de Urgência no ex-Hospital de São Marcos memoriza testemunhos de momentos de exasperação irreflectida de um público incontrolado, incumpridor ou ausente dos seus deveres de cidadania, impune aos seus actos lamentáveis através de comportamentos reprováveis e ofensivos à dignidade do bom nome, imagem e exercício do desempenho. Há uma facilidade medonha na moldura do insulto ou da ameaça física, como semi-crime público, devido à ausência dos titulares da queixa como obrigatória, denunciarem esses crimes junto da esfera judicial.
Obviamente, que o impacto deste cenário hostil e tenebroso com todo o mediatismo focado no sector clínico, não representa o universo de um quadro mais amplo dos trabalhadores de saúde pública infligidos por um dano na maioria das vezes psicopatológicos ou transtornos de atitudes explosivas e isoladas.
Vejamos alguns dados estatísticos do Sistema Nacional de Notificação de Incidentes da Direcção Geral da Saúde relativos à violência física e verbal no Serviço Nacional de Saúde: a enfermagem está no topo da agressividade com 51%, seguido do sector clínico com 27%. Outros grupos sócio-profissionais também não escapam à ferocidade dos utentes, tais como: assistentes técnicos com 11%, assistentes operacionais com 5% e no conjunto das restantes carreiras, 5%.
Em 1976, classificado como um período conturbado no SNS, geralmente, numa ocorrência desta natureza, quer por ofensa verbal no uso de impropérios ou raramente por agressão à integridade física do profissional, os conselhos de administração dos Hospitais e direcções dos Centros de Saúde davam apoio jurídico ao trabalhador ofendido, advertiam e moviam uma queixa ao Ministério Público contra o agressor.
Esta conduta institucional de protecção jurídica nas Instituições de Saúde Pública desvaneceu-se com a aplicação de “doutrinas” políticas sobre a humanização dos serviços, dando a ideia que, num enredo cinematográfico, os profissionais de saúde eram os vilões e como consequência deu azo ao aparecimento dos excessos cometidos pelos utentes.
Em 2018, foram registados cerca de mil casos de agressões no SNS, de Janeiro a Setembro de 2019, somavam-se já 995 ocorrências, 56% identificados na pessoa do utente, mas também 20% profissional da mesma Instituição, 21% familiar do doente, 2% acompanhante, 1% visitante e 1% profissional de outra Instituição.
Com o justo e oportuno alardo na opinião pública, o Governo, para não ficar mal na fotografia e silenciar vozes mais influentes junto do burgo, arregaçou as mangas sobre a triste cena que decorre nas Instituições de Saúde Pública que supervisiona e resolveu, entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Administração Interna, criar um “Gabinete de Segurança” ou implementar nos serviços da rede do SNS mais vulneráveis à cabeça quente dos cidadãos o “botão de pânico”, mecanismo de alerta rápida para a intervenção das forças policiais ou presença efectiva da segurança interna.
Trabalhar num Hospital ou no Centro de Saúde com esta insegurança efervescente e danosa causa sentimentos de medo, desmotivação profissional, perturbação psicológica, baixa de auto-estima, exaustão, tristeza e literalmente afecta a saúde e o bem-estar pessoal e familiar, a harmonia profissional e social interiorizada em cada um de nós.
Para uma boa gestão de conflitos, importa uma boa formação de controlo, uma boa dose de paciência, inteligência emocional, assertiva, interacção e convívio assertivo em ambiente depreciativo, sem deixar de passar a mensagem à pessoa com quem estamos a lidar de que terá de arcar com as responsabilidades, em sede própria, perante o seu comportamento incivilizado, o desrespeito dos seus deveres de cidadania, o prazer peculiar de ofender na pessoa, na imagem ou no nome, a má conduta de insultar o desempenho profissional e finalmente justificar o injustificável quando ataca fisicamente, em modo cobarde, um trabalhador que se presta dar o seu melhor por uma causa nobre, admirável e fantástica: cuidar dos problemas de saúde que nos afectam.
Autor: Albino Gonçalves