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Sentir o sentimento – a meditação ao serviço das dinâmicas do sentir

As emoções são o conhecimento inconsciente de uma disposição automática a atuar de uma determinada maneira ante uma determinada circunstância com um determinado propósito, ao serviço da sobrevivência. São o ponto de partida de um processo que as transforma em sentimentos. As emoções e os sentimentos nem são a mesma ´coisa´ nem são fenómenos independentes, e sim extremos de um processo contínuo de aumento da consciência e descenso da urgência de atuar. A base neurobiológica deste processo está no sistema límbico. O processo neuronal que vai da emoção ao sentimento inicia-se com a ativação da amígdala, continua através do córtex singular e termina no córtex pré-frontal. O ponto é que as emoções cruas haverão de ser processadas pelo sistema límbico e transformadas progressivamente em sentimentos subjetivos e conscientes. Os sentimentos não impõem uma urgência à ação e podem associar-se, combinar-se e modificar-se entre si. Desde esta perspetiva, razão e emoção não se opõem nem competem, mas sim cooperam como sequências sucessivas de processamento da informação e tomada de decisões.

É importante compreendermos isto porque o que aprendemos é a depreciar as emoções – e as pessoas emotivas – sob o signo de advertência de que podem ser perigosas, portanto, uma guia pouco ou nada segura na hora de tomar decisões. Em coerência com isso somos estimulados a bloquear, evitar e ignorar a experiência das emoções e dos sentimentos. São-lhe também atribuídas conotações do tipo “boas” ou “más”, “positivas” ou “negativas”. Podemos concordar com que algumas emoções-sentimentos podem certamente não agradar-nos, mas todas elas trazem informações relevantes. Não há emoções destrutivas, há sim formas destrutivas de relacionar-se com as emoções. Alias, o problema não é se gostamos ou não do sentimento que estamos a viver, o que importa sim é sermos capazes de entender a informação que essa experiência nos traz e usá-la para transformar as circunstâncias em nosso benefício. Neste caso, entender a informação não quer dizer explicá-la, raciociná-la ou buscar a causa do sentimento, senão tomar consciência do significado da vivência sentimental. Do que estamos a falar é de sentir o sentimento, algo que por natureza é contraintuitivo, mas sobre o qual é possível trabalhar. Muitos tratados de psicologia enfatizam a importância de entrar/estar em contato com os sentimentos, mas nenhum explica como fazê-lo. O próprio Buda recomenda meditar no sentimento, só que não diz como. De um modo sucinto, do que se trata é de desenvolver una concentração passiva nas dinâmicas do sentir o que estamos a sentir, isto é meditar no sentimento.

Sabemos que em certas ocasiões os sentimentos podem ser de tal intensidade que o sistema límbico não é capaz de processá-los. Em tal sentido, a natureza tem proporcionado aos seres humanos um mecanismo pro-homeostático único de transferência de sentimentos fortes e desbordantes desde o canal dos sentimentos ao sistema senso-motor: trata-se do reflexo natural do pranto. O pranto descarrega a dor das tensões de modo inofensivo através da ativação de sistemas musculares complexos e de certas funções parassimpáticas. Enquanto sentir o sentimento avança, damo-nos conta da qualidade agradável o desagradável dos sentimentos, ao tempo que estes vão-se diluindo na sua passagem. Naturalmente, não resistimos à experiência da manifestação de sentimentos de prazer, sem que nos demos conta de que é isso o que faz com que a sua durabilidade seja menor do que da dos sentimentos que nos trazem uma experiência desagradável. Entretanto, evitar sentir o que estamos a sentir transforma a nossa experiência do sentir numa dor crônica, que provavelmente até ao momento no tínhamos ideia que era possível evitar.

Referencias bibliográficas:

Analayo, B (2018)Satipatthana meditation. A practice guide.Ed. Windhorse.

Damásio, A. (2013)O sentimento de Si. Corpo, emoção e consciência. Ed. Temas e Debates.

De Rivera, L. (2018)Meditación sentimental.InAutogenics 3.0. La nueva vía al Mindfulness y la meditación. Ed. ICAT.


Autor: PÁVEL MODERNELL
DM

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26 maio 2021