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Sempre Carnaval…

A terça-feira de Carnaval é o expoente máximo de um período limitado de brincadeira, de folia e até de um certo devaneio. É o dia que encerra um tempo de evasão, onde se pode dar asas à fantasia e dizer sem rodeios muito do que se foi calando ao longo de um ano inteiro.

Festa popular com raízes prováveis em diversos povos da Antiguidade, é atualmente um acontecimento relevante em numerosos países pela importância que assume na economia, sobretudo na vertente do turismo e na indústria do lazer.

Alcançando honras de festa nacional no Brasil, o Carnaval atinge noutras distintas paragens proporções majestosas sendo Veneza, Nice, Tenerife ou Colónia bons exemplos desta grandeza.

Entre nós, esta festa de cariz eminentemente popular é realizada um pouco por todo o país alcançando grande fama, entre outras, a da Madeira, a de Loulé, a de Torres Novas, a de Ovar e a de Alcobaça muito apreciadas não só pelos portugueses, como também pelos muitos milhares de estrangeiros que nesta época nos visitam.

Em todas elas ressalta a alegria, a jovialidade e a irreverência, não faltando a cáustica sátira política e social a sobressair nos vários quadros figurativos de marchas e desfiles.

Sendo geralmente aceite que o bom humor é capaz de favorecer a saúde, não será por falta dele que os portugueses não são mais saudáveis. Objetivamente, não há acontecimento cultural, político ou social que, quase instantaneamente, não dê origem a um manancial de piadas bem divertidas, quer nas redes sociais ou a saltitarem de boca em boca.

Para a grande produção nacional de graças e anedotas raramente faltam temas. A nossa sociedade é farta em acontecimentos extraordinários que, quer pela visibilidade e fama dos agentes envolvidos, quer pela relevância dos assuntos para o coletivo comum, são quase sempre fonte inesgotável de humor irónico e mordaz. E, infelizmente, nos últimos anos matérias não têm faltado.

O que tem acontecido nalguns bancos, como o que se passou com o Banco Espírito Santo, com o BANIF, com os créditos malparados concedidos pela Caixa Geral de Depósitos, tudo o que tem vindo à luz do dia sobre a “Face Oculta”, ou a “Operação Marquês” tem constituído um manancial inesgotável de chacota e de desdém.

Em distinto patamar, não deixando de alimentar um idêntico reportório de gracejos sarcásticos mas bem-dispostos, tem sido o braço de ferro entre as respetivas tutelas e os sindicatos de professores, dos enfermeiros e dos técnicos de diagnóstico e terapêutica.

Acontecimentos como estes, além de alimentarem a criatividade bem-humorada do povo português, causam imensos sobressaltos e grandes prejuízos ao país, não favorecendo nada a imagem de Portugal além-fronteiras.

Vai-nos valendo a conhecida benevolência do povo português que, de tão acostumado a tantos casos e escândalos, encara com naturalidade e bom humor o que vai acontecendo à sua volta, não se perturbando e parecendo mesmo consentir o espírito carnavalesco por todo o ano.

Pensando bem, sou levado a acreditar que é isto mesmo que vai na alma dos portugueses.

No quotidiano da nossa sociedade abundam máscaras e devaneios. Sobeja a mentira, a hipocrisia, a inveja e a falsidade e, protegendo-se de tanto mal, os meus concidadãos enfrentam a crua realidade como se fosse sempre Carnaval.

Sem esta maneira de ser e sem tão peculiar capacidade de resistir, decerto não seríamos este povo pacato, acolhedor e, principalmente, tão pacífico e tolerante.


Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira
DM

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5 março 2019