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Sem pedestal

Assisti perplexo ao enorme barulho produzido ao redor do assalto às instalações do Sporting, em Alcochete. Foram meia centena de encapuzados que, desagradados com os resultados obtidos no campeonato de futebol, tiraram, pela força, desforço da pior maneira.

O caso tomou foros de tragédia nacional; sentiu-se o presidente da república vexado, o primeiro-ministro agastado e o presidente da assembleia da república zangado até ao limite duma ausência na final da taça. Foi a demonstração de como a política e o futebol coabitam em promiscuidade. Rui Rio tinha razão quando não desejava nada com o futebol.

Mas na verdade foram sempre os políticos que procuraram os desportistas para suas campanhas eleitorais e nunca o contrário. Por isso e pela importância que os organismos de futebol ganharam a nível mundial é que hoje se assiste a uma soberania transnacional do seu poder.

Basta lembrar como o brasileiro João Havalange bebia champanhe enquanto na “arena de jogo os escravos dos jogadores” se encharcavam até aos ossos, ou como foi destratado Cristiano Ronaldo pelo corrupto Joseph Blater ou a maneira de mandarinato como o atual presidente da FIFA, Giani Infantino exerce o seu poder. Tudo isto é permitido e assumido pelo poder político e social.

Por isso o futebol fez-se rei. E eu, espetador assíduo do palco da comédia nacional, habituado a olhar para os atores da representação política com a bonomia que me merecem as encenações, à vezes trágicas, outras vezes cómicas e outras vezes trágico cómicas, encontrei, desta maneira, a razão de como Alcochete se transformou em “tragédia nacional”.

A causa não estava tanto nos energúmenos que entraram nas instalações de Alcochete, ou os desacatos produzidos que, sinceramente repudio; mas não são ações de terrorismo, antes de delito comum; os ecos que poderiam ter no estrangeiro seriam relâmpagos que mal iluminam logo se apagam.

Interrogo-me se o assalto tivesse sido feito num café, numa praia com um arrastão, numa praça pública ou rua de uma das nossas cidades, teria a mesma dimensão política e o mesmo esgar dolorido duma tragédia nacional. Penso que não.

A causa está na dimensão que o futebol tem no mundo; o pedestal é de tal elevação que qualquer pequena ofensa passa a heresia. Imaginemos que o mesmo se passava com uma equipa feminina de futebol, ou nas de andebol, voleibol, ginástica, ciclismo, remo, halterofilismo, canoagem, esgrima, etc. Etc., teria a mesma dimensão política? Provocaria o mesmo alarido? Claro que não.

Não podemos subestimar a repercussão internacional que este assalto provocou. Houve, é verdade, algum eco, porque o turismo internacional, principalmente em países que perderam cota de mercado a favor de Portugal, aproveitaram-se para dizer “em Portugal também não estão seguros”. Mas é outro relâmpago e nada mais que isso.

Por outro lado os dirigentes desportivos, a comunicação social especializada, os comentadores de futebol que enxameiam pelas antenas televisivas, projetaram este desacato, a níveis terroristas; acirraram ânimos, semearam discórdias, fomentaram rivalidades insanáveis, sem perceberem que estavam a fazer o jogo dos países turísticos lesados.

A punição aplicada aos prevaricadores de Alcochete serve de água na labareda. Muito culpados são aqueles que semeiam o ódio em suas gentes. O futebol é um desporto que se identifica com cada um de nós, no sucesso. A derrota é sempre de alguém e nunca nossa. Assim, culpamos os jogadores e técnicos.

Não é possível educar para a derrota, mas é possível recolocar o futebol no seu devido lugar. Apee-mo-lo de seu pedestal.


Autor: Paulo Fafe
DM

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28 maio 2018