Tendo de ir ao Alto Minho, fiquei com curiosidade de ver como estava o panorama depois dos incêndios. Indo pela autoestrada, fica-se com a impressão de que a rota dos incêndios seguiu o sentido da mesma, tal é a regularidade das queimadas. Para além da tonalidade verde que lhe é característica, nesta época a florir por todo o lado, o Minho é mesmo um jardim… com aquela beleza edénica que parece tirada dos livros de viagens, os socalcos trabalhados, as estradas em curvas e mais curvas para se adaptar à irregularidade dos terrenos, com casas de ambos os lados, a ramagem verde das árvores quase a fechar em dossel sobre quem passa como se fosse um rei que a visita, a diversidade colorida de flores que enfeitam os jardins das casas, as suas gentes alegres, comunicativas, dinâmicas… Não admira que neste momento, a beleza exótica da aldeia de Sistelo, nos Arcos de Valdevez, esteja a fazer sucesso, com tantos turistas que nem sabem onde os acolher. Agora, imaginem que ia para a frente a paranóia das limpezas de cortar tudo pelas margens das estradas fora e vejam a beleza que se perdia… como, por exemplo, a pitoresca e antiga estrada que desce de Monção para os Arcos, Ponte da Barca, até Vila Verde, cheia de encanto no seu serpenteado, com as casas fumegando de vida pela encosta acima, a água que escorre, aqui e além, das encostas e vem cair em bicas dentro de pequenos tanques de pedra, que se destinavam a matar a sede aos animais que puxavam os carros (tal como hoje há os postos de abastecimento para os carros) e as bicas de água (eram os snack-bares anexos a esses postos). Só lá faltam os cantoneiros que zelavam pela limpeza das estradas e das suas bermas, onde plantavam flores para alegrar a vista de quem passava, com aquele toque de beleza e de carinho que exprime a alma acolhedora e alegre daquela gente. E quem diz essa, diz muitas outras estradas semelhantes. Esperemos que o bom senso prevaleça…
2. Por essas estradas fora, não se vêem aqueles aglomerados de prédios empacotados como os dos arredores de Lisboa ou Porto, que cresceram como cogumelos para acolher as gentes que para lá foram à procura de emprego. No Minho, não existe esse modo de habitação. Em princípio, cada um tem a sua casa com um terreno anexo de quintal ou jardim. E cuidam muito dos seus jardins. Reparem no esmero ao atravessar os Arcos de Valdevez, Ponte da Barca… ou em Braga, com o jardim de santa Bárbara e aquele outro plantado por cima da avenida que desce para São João da Ponte. No Minho há o gosto do jardim; mas, os campos estão ao abandono. Parece que houve uma invasão de bárbaros e toda a gente fugiu. Lá mais para norte, Melgaço e Monção, os campos estão reconvertidos em vinhas. Vinhas de alvarinho por todo o lado. E a tendência já se vai alargando a outras zonas cá para baixo, agora que o vinho verde está em grande. É a nova exploração das terras. Mas, não se cultiva mais nada. Os supermercados fornecem o resto… Sorte deles, que fazem mais negócio enquanto esta moda durar. É um erro abandonar a agricultura familiar.
3. Outra novidade que salta à vista é a proliferação de tractores. Por todo o lado se vêem pequenos tractores. Mas, desapareceram os animais. Nem a pastar se vêem. A não ser na verdura de Ponte do Lima. E quem anda com esses tractores é gente mais velha. Também não se vê gente nova. Aliás, pelo meio das aldeias fora não se vê quase ninguém. Se alguém se perde e precisar de qualquer informação, não há a quem pedi-la. Só recorrendo ao GPS. É o novo informador do presente. As quintas, que antes eram fonte de produção agrícola, estão hoje ao abandono. Aqui e além, alguns reconverteram-nas em turismo rural. Há lindas quintas reconvertidas para turismo rural. Para eventos, como hoje se diz. E para turistas estrangeiros também. E há tanta beleza para lhes mostrar, para além da maravilhosa cozinha nortenha… Precisam é de boas estradas que os possam levar e trazer.
As manchas negras das queimadas dos incêndios são uma constante pela autoestrada fora. Nalgumas encostas, tudo negro. Só a erva voltou a nascer. E também alguns eucaliptos corajosos, com novos rebentos. Dos pinheiros só ficaram troncos e ramos negros, silhuetas fúnebres de uma paisagem destruída, agora animada pelo corte e transporte das madeiras. Tem-se falado muito em prevenir os incêndios, com muitos bombeiros, cabras para comer o pasto, aviões e helicópteros cujo aluguer e manutenção custa milhões, um exército anunciado para combater o inimigo ameaçador do fogo, como se ele se escondesse na floresta e a qualquer momento pudesse atacar os já parcos pinheiros e eucaliptos que restaram (a esquerda demoniza os eucaliptos, ignorando que eles ajudam a sustentar muita gente, que não come ideologia ao almoço ou ao jantar). Mas, esqueceu-se o principal: os incendiários (os mandantes e os executantes). É que sem incendiários não há incêndios. A floresta não arde se ninguém a incendiar. Falta uma legislação que castigue severamente os incendiários (e a rede de interesses que os movimenta) e um corpo de vigilantes que olhe pela floresta. Feito isso, toda a restante parafernália de combate aos incêndios ficaria muito mais aligeirada. Mas, disso ninguém falou. Se calhar, não movimenta tantos interesses…
Autor: M. Ribeiro Fernandes
Sem incendiários não há incêndios
DM
6 maio 2018