Afastamo-nos das pessoas para escapar à COVID. Volvidos dois anos, é hoje (tremendamente) claro que não vencemos a COVID e continuamos afastados das pessoas.
Resultado: temos pela frente, não uma, mas duas «pandemias». Qual será a mais mortal?
Quando surgiu a COVID, disseram-nos para restringir os contactos praticamente aos coabitantes da mesma casa.
Com os outros familiares, os vizinhos, os amigos e os conhecidos, fomos criando uma frieza que as plataformas digitais mal conseguem encobrir.
O drama é verificar que tantos de nós se foram acostumando.
Nem um cumprimento de circunstância, muito menos um abraço. E eis que a solidão –sublinha Noreena Hertz – se foi tornando na grande «crise de saúde pública mundial».
Criámos alergia às pessoas, vendo em cada uma delas uma espécie de ameaça.
Ficamos, assim, com dois problemas para resolver: a COVID e o distanciamento entre as pessoas.
O medo da COVID endureceu-nos o coração e – como observou Inês Teotónio Pereira – «gelou-nos o sangue».
Acresce que o pavor da COVID não nos livrou da COVID com a agravante de ir retirando as pessoas da nossa vida.
A promoção do «contactless» tem vindo a crescer desmesuradamente. Não só nos pagamentos, mas em muitas outras operações, recorremos cada vez mais ao digital, evitando o contacto directo com as pessoas.
A Coreia do Sul é um dos países que mais está a reduzir a interacção humana, quase no limiar da patologia.
Em 2020, o Governo de Seul introduziu o chamado «untact». Pretende-se eliminar a interacção humana com vista a – pasme-se – estimular o crescimento económico.
O desiderato é multiplicar serviços «contactless», combater a burocracia e aumentar a produtividade. A prática cresceu com a pandemia e está em expansão por todos os sectores.
Os robôs já substituíram os funcionários humanos na preparação do café e levando-o inclusive às mesas.
Mas há mais. Existem lojas onde os clientes podem comparar telemóveis e assinar contractos sem terem de lidar com uma pessoa.
Um hospital tem uma máquina com internet 5G que coloca desinfectante nas mãos dos utentes, apura a temperatura corporal, controla o distanciamento social e até repreende as pessoas que não usam máscara.
A cidade deSeuldeseja transformar-se num «metaverso». Ou seja, será um espaço virtual onde os cidadãos podem interagir com representações digitais de pessoas e objectos.
É esse o mundo pós-pandemia? É esse o mundo que queremos? A «fraternofobia» (a «alergia aos irmãos») será o caminho? Que felicidade pode haver sem qualquer contacto estabelecer?
É hora de voltar ao encontro de cada pessoa. Pois – volto a Inês Teotónio Pereira – «viver sem as pessoas pode também ser um vício e é muito mais letal do que a doença»!
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira