“Seja o que Deus quiser...”. Esta frase, reveladora dos sentimentos cristãos do nosso povo, deve ser devidamente tratada para não dar origem a comportamentos absurdos e que nada têm a ver com o seu verdadeiro sentido.
Diz a Escritura que o homem foi criado à “imagem e semelhança de Deus” (Gén, 1, 37). Em primeiro lugar, não deve confundir-se esta parecença com a nossa natureza corporal, porque Deus, ser eterno, não é corpóreo como nós. E se a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, a partir de um certo momento – o momento da sua concepção humana – passou a ter um corpo, foi porque assumiu a nossa natureza no seio de Maria Santíssima, como sabemos.
Aquilo que reflecte melhor no homem a semelhança com Deus é a sua conduta como ser livre, isto é, capaz de assumir a responsabilidade dos actos que pratica. Para isso, Deus dotou-o de inteligência e de vontade. Com a primeira capacidade, conhece e compreende as coisas, pelo que pode prever que se resolver proceder dum modo determinado, as consequências de tudo isso poderão ser boas ou más, convenientes ou inconvenientes, justas ou injustas. Com a vontade, auto-determina-se – decide-se por “motu proprio” – a executar ou não o que antes a inteligência lhe apresentou, sendo por isso responsável pela atitude tomada.
Além destas duas capacidades, goza ainda de uma outra faceta do seu carácter psicológico que pode determinar a resolução do seu comportamento: a afectividade. Com ela, se aproxima mais do fim dum acto, quando é positivo ou agradável o que vai fazer, ou sentir uma certa relutância ou mais dificuldade na sua execução, se prevê que precisa de lutar com vigor para resolver uma determinada situação. Efectivamente, quando se gosta e aprecia uma coisa, há uma aproximação maior e espontânea dessa mesma coisa; mas se o fim a atingir é difícil, duro, pouco atractivo ou mesmo constrangente, as dificuldades sobrelevam-se. A experiência quotidiana assim nos ensina.
Pois bem: com frequência ouvimos ou usamos a expressão “Seja o que Deus quiser”. Em si mesma, ela revela a consciência que temos de que não somos senhores de tudo, pelo que pode acontecer que a nossa boa vontade em algo que estamos encarregados de realizar encontre muitos obstáculos para atingir a perfeita execução dessa tarefa.
Neste sentido, estamos a pedir a Deus que nos ajude a realizá-la da melhor maneira, sem esquecer que o próprio Deus, ao cooperar connosco, quer que cumpramos a nossa obrigação o melhor que pudermos. Conta com a nossa abnegação, interesse, conhecimento e vontade de acertarmos com as medidas que devemos tomar para executar com a maior diligência o que temos entre mãos. Ou seja, Deus auxilia-nos, mas exige da nossa parte uma plena colaboração com os seus fins e propósitos, que são sempre os mais perfeitos.
Pelo que fica dito, a expressão “Seja o que Deus quiser”, não é a mais conveniente quando, a nossa preguiça, o nosso desleixo, o nosso desinteresse e a nossa falta de esforço por efectuar o que devemos, solicita de Deus uma ajuda ou um apoio que supra as deficiências conscientes e, portanto, voluntárias, da nossa conduta. Por outras palavras: eu poderia fazer o que me incumbe de um modo certo e adequado, se cumprisse as minhas obrigações. Mas não estou para isso e acrescento: “Seja o que Deus quiser!”
Deus é perfeito e não patrocina uma acção que, por nossa culpa e determinação, se mostre defeituosa ou até pecaminosa. Quando muito, com a sua misericórdia, é capaz de evitar que aconteçam os males que ela possa ocasionar.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva