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Segunda demolição em Notre-Dame?

1. O voluntário foi ter com os sobreviventes de um terrível sismo. A organização humanitária a que pertencia tanto podia construir uma escola, como erguer uma clínica ou abrir um poço. 2. Depois de consultar os membros da tribo – aquela era uma aldeia de indígenas – o chefe fez uma escolha que deixou o interlocutor completamente lívido de espanto. «Olhe, aquilo de que mais precisamos – mais que tudo – é de portas para a nossa igreja»! 3. O nosso problema é que até das necessidades dos outros nos sentimos donos e senhores. E nem sequer listamos a fome de Deus como uma das suas maiores prioridades. Podiam não ser letrados, aqueles nativos. Mas tinham o Evangelho bem vivo no coração. E sabiam que há outro pão além do pão: «Nem só de pão vive o homem» (Mt 4, 4). 4. É claro que, naqueles momentos, a fome de pão devia ser difícil de suportar. Mas, apesar disso, queriam saciar primeiro a sua fome de Deus. 5. O Santo Padre reconheceu que são leigos como estes que «mantêm intacta a fé». Nós – ainda segundo o Papa – deveríamos «ser mais do que peritos em diagnósticos ou juízos». 6. O fundamental é que sejamos mensageiros de «propostas altas, guardiães do bem e da beleza que resplandecem na vida». Na discussão aberta sobre a reconstrução de Notre-Dame, não falta quem advogue o surgimento de um espaço formatadamente laico, sem Cruz ou qualquer outro sinal sagrado. 7. Aliás, o «draft» deste laicismo desenfreado já fora ensaiado nos apogeus mais agressivos da Revolução Francesa. Aos próceres da «religião sem Deus» não escapou sequer o topete de converter as igrejas em «templos da deusa razão». 8. Na catedral de Notre-Dame, em 1793, o altar foi desmontado e substituído por um outro erigido à liberdade. Nenhuma atrocidade – desde a blasfémia até à licenciosidade – ficou por cometer. Paradoxalmente, este novo «culto» gerou uma reacção adversa contra a Revolução em marcha. Daí que, um ano depois, o próprio Robespierre tenha repudiado este (abastardado) culto da «deusa razão». 9. Quando perceberemos – como percebeu Marcel Proust – que, mesmo «mudas e abandonadas», as catedrais subsistirão sempre como «os mais belos ornamentos da nossa arte»? São elas que, na sua interminável beleza de séculos, nos fazem entrever o infinitamente Belo, que é Deus. 10. Se muitos assim sentem, será legítimo degolar implacavelmente os sentimentos de tantos que (também) são cidadãos da República? Não terão os crentes direito a serem apoiados como crentes?
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira
DM

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7 maio 2019