Ovelho slogan se conduzir não beba tem de ser substituído por se conduzir não mate; é que as nossas estradas são verdadeiros campos de batalha de onde se sai ou gravemente ferido e estropiado ou morto.
Segundo dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, aumentaram 1,5% os acidentes nas nossas estradas, em relação ao ano passado e entre janeiro e setembro, cifraram-se em 97 159; e deste descomunal número de desastres resultaram 378 mortos, sendo 1530 os feridos graves.
Ora, entre alguns fatores responsáveis por esta tragédia nacional podemos referir: o mau estado das vias rodoviárias e respetivos traçados, a insuficiente sinalética, a fiscalização, policiamento e sistema de multas pouco implacável e penalizador, os constantes incumprimentos e ignorância das regras do código da estrada e a condução sob o efeito de álcool e drogas, a deficiente preparação dos condutores e a atribuição e renovação de licenças de condução a cidadãos sem a imprescindível aptidão física e psicológica, um parque automóvel ainda demasiado velho e as necessárias revisões e inspeções periódicas nem sempre rigorosas e duramente punitivas.
Todavia, apesar de haver uma melhoria significativa, embora muito escassa, do parque automóvel, os carros começam a ser mais seguros e as condições de condução menos exigentes no que respeita a manobras, mudanças de velocidade, travagem e equipamentos; mas, ainda se vê a circular muitos veículos que diríamos autênticas carcaças, a travarem deficientemente, com escapes ruidosos e muito poluidores; enfim, parecem que se desfazem. Pois é, mas isto não é tudo e há uma condição que, fazendo toda a diferença, falta à maioria dos condutores e que se chama civismo; e se traduz no respeito que cada um deve ter por si próprio e pelos outros e se afirma numa condução que deve ser sempre segura, atenta e responsável; e seja nas ultrapassagens e mudanças de direção, seja nas rotundas, cruzamentos e diferentes manobras.
E o que por aí se vê é de bradar aos céus; e mostra bem a inconsciência e irresponsabilidade reinantes num naipe bem alargado de condutores que, ao volante, se transformam em perigosos condutores de meia tigela e muita lata; e que fazem da condução um exercício de malabarismo e aventureirismo.
Sabemos proficientemente que somos um povo com enorme défice de cidadania e de que resulta um elevado desprezo pelo interesse interpessoal e coletivo; e isto tem tudo a ver com o egoísmo e individualismo reinantes que se opõem ao altruísmo e coletivismo que são valores de um povo culto, responsável e autónomo.
E esta forma de ser e estar que nos define inscrita está no cromossoma há milhões de anos, desde o primeiro primata ao homo sapiens; e, assim, daqui resulta uma forma de vida muito própria e incaraterística da nossa matriz cultural; e que fez com que, aquando das invasões romanas, em tempos recuados, não conseguindo a desejada aculturação da população, um general tenha declarado, referindo-se aos lusitanos: estranho povo este que nem se governa nem se deixa governar.
Agora, voltando de novo com os bois ao rego que é como quem diz, ao assunto que aqui nos trouxe, então a tragédia rodoviária nacional passa exclusivamente por este declarado défice de civismo, cidadania e cultura? Sim e não, tendo em conta os fatores anteriormente expostos, mormente aqueles que não são da exclusiva responsabilidade dos condutores; mas, é absolutamente o fator mais preponderante e a quem cabe a maior fatia de responsabilidade. Pois bem, os governantes, dirigentes e autoridade devem ter em conta todos estes fatores que fazem das estradas um corredor de lágrimas, tragédia e morte, e tomar as medidas necessárias e urgentes que reponham a normalidade e verdade nas estradas do país, até para que não sejamos um povo de broeiros, morcões e relapsos; e, pior ainda, assassinos. Entretanto, todos nós temos de nos capacitar, de que conduzir não é nem nunca foi uma forma de afirmação pessoal e social, fazendo com que, ao volante, muitos cidadãos deixem de ser quem são e se transformam completamente; como igualmente conduzir não é competir, agredir, desafiar, querer chegar primeiro, ser o maior e melhor, ser diferente pela negativa; e, mais grave e estapafúrdio ainda, fazer do automóvel uma arma de agressão e morte.
Por isso, tome sempre como lema da sua vida de condutor o slogan se conduzir não mate.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
Se conduzir não mate

DM
17 outubro 2018