Quando surgiram em Braga os primeiros autocarros, era eu menino e moço, eram cobrados uns pequenos bilhetes numerados de acesso à viagem com o respetivo preço a pagar. E sempre que o bilhete adquirido tinha um número cujo reverso era ele próprio (por exemplo 12022021), ou seja, que tanto se lia da esquerda para a direita, como da direita para a esquerda, dizíamos: – “o meu é uma capicua’!”. Palavra de origem catalã atribuída a esta situação matemática relativa à posição numérica em questão.
Ora foi precisamente quando lia o JN, de 18 de novembro, último, que me saiu a Capicua, famosa ‘rapper’ portuense que adota tal nome artístico num artigo de opinião de sua autoria. Não fosse o tema nele tratado e nem me debruçaria sobre ele. Porém, suscitou-me interesse pelo facto de se tratar de considerações não só sobre a atuação da espanhola Rosalía, a que assistiu, como em relação às condições do Altice Fórum Braga. Dizendo ter ficado bastante dececionada com o que não conseguiu ouvir, nem ver. Isto é, segundo ela, a estrela esteve bem, só quem não esteve à altura foi a sala, mais apropriada para eventos de outra índole.
Mais relatou: “achando deficiente a visibilidade para o palco e écrans, embora menos má apara quem estava à frente. Tendo os restantes milhares de espectadores (que pagaram bilhetes bem caros) ficado, praticamente, a léguas de presenciarem e ouvirem com nitidez a qualidade vocal, atuação irrepreensível e perfeita da Rosalía. Isto, devido à fraca qualidade acústica (eco) do pavilhão e à negligente função dos técnicos de som que não souberam, ou não quiseram, estar à altura do espetáculo musical. Em que a sonoridade esteve desfasada do ambiente efervescente – aí vivido – e à vozeria do público, prejudicando a atuação, voz e música da artista”.
A ser verdade, direi que não só é vergonhoso para quem gere aquele espaço, como de quem emana a responsabilidade e, mesmo, para a nossa Augusta cidade. Mas porquê? Dir-me-ão. Porque depois de terem sido gastos naquela infraestrutura alguns milhões de euros do erário público Municipal – na tentativa de melhorar a coisa para a espetacularidade dos eventos musicais –, acaba por não satisfazer as exigências de que, anteriormente, padecia.
Apesar da sua voz algo delicodoce, força e energia em palco, confesso não ser apreciador daquela que se diz feliz na tristeza e triste na alegria. Ela não é, como no filme, para velhos. E está para mim como o meu saudoso pai estava para os ‘Beatles’, ‘Rolling Stones’ e seus congéneres do rock-in-rol. Em que nos meus tempos de juventude, sempre que eu escutava os seus êxitos, me questionava: – “Olha lá, isso não é música para malucos?”.
Se bem, que ter ido ao Theatro Circo quando Rosalía atuou com a fadista Carminho, com quem interpretou o fado, em português, poderia ter sido a altura certa para me redimir desta minha, porventura, falta de gosto. E embora eu seja apreciador de boa música, a arte da ‘rapper tripeira’ também não me encanta, nem é a minha praia. Ainda que faça todo o sentido não só a sua performance, como o ritmo ativista que imprime às mensagens que procura passar à sua falange de fãs.
Já todos sabemos, que o público bracarense é pouco exigente e muito menos crítico sobre o que está mal na cidade e podia ser melhor. E nem mesmo em liberdade e democracia consegue desinibir-se e, como se diz na gíria, “soltar a burra”. A não ser acenar com a cabeça em anuência a tudo aquilo que lhe é vendido. E desde que sejam eventos com muita festa e balbúrdia à mistura, tanto mais agradado fica. Pelo que foi preciso vir uma cidadã da Invicta exercer a função opinativa, ausente no pessoal de cá.
Enfim, críticas da ‘Capicua’ a um dos equipamentos culturais bracarenses que, até hoje, não foram ‘rebatidos’ por quem de direito. O que é de lamentar, uma vez que não se traduzem num bom cartaz para futura candidatura de Braga a Capital Europeia da Cultura, já que a de 27, infelizmente, foi-se.
Autor: Narciso Mendes