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Sagrada Família e famílias sagradas

A festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José acontece dentro da Oitava de Natal, habitualmente no domingo entre a Solenidade do Nascimento de Jesus e a de Santa Maria, Mãe de Deus (Ano Novo)1. É muito sugestivo que assim aconteça, dado que o Natal coloca-nos perante a contemplação de uma família, no momento supremo da sua vida (o nascimento de um filho), e é o tempo da reunião festiva das famílias, momento ímpar de convivência familiar, de reforço de laços e compromissos.

O evangelho desta festa fala-nos da família de Nazaré, na sua fuga para o Egito (Mt 2, 13-15.19-23), onde por duas vezes se repete a ordem dada por Deus a José (vv. 13.20: “toma contigo o menino e sua mãe”) e por outras tantas se constata que José fez como lhe fora ordenado (vv. 14.21: “tomou o menino e sua mãe”). Mateus apresenta-nos Jesus e os seus pais como refugiados, à semelhança de tantos outros que, ao longo dos séculos e nos nossos tempos, percorre(ra)m terras inóspitas e cidades hostis, fugindo das adversidades (guerra, perseguição, fome...) e procurando melhores condições de vida. Dá-nos conta de que, desde menino, Jesus está do lado dos simples, frágeis e humildes, ao assumir a mesma condição, e de que a família de Nazaré, em apuros, partilha a sorte das restantes famílias.

Por seu turno, os textos da Primeira (Sir 3, 3-7.14-17a) e da Segunda Leitura (Col 3, 12-21), são um contributo notável para tornar sagradas as famílias, apesar da distância temporal e das diferenças significativas entre as famílias de então e as de hoje. Tendo em conta que os valores que norteiam as relações familiares permanecem os mesmos de sempre, nunca é de mais insistir neles e repropô-los como “remédios” para os muitos males que assolam as famílias.

Partindo da Segunda Leitura, propomo-nos destacar os comportamentos a ter em conta para que tal seja possível, na relação entre marido e esposa e entre pais e filhos. Convém, contudo, não perder de vista o enquadramento desse “código doméstico”: os sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade e paciência; a necessidade de sermos suporte uns dos outros; a caridade, a paz de Cristo e a necessidade de nos alimentarmos da Palavra de Deus, conforme a sugestão do Apóstolo Paulo (vv. 12-17).

- “Esposas, sede submissas a vossos maridos, como convém no Senhor” (v. 18). Soa estranho aos olhos de hoje, mas trata-se da submissão de amor que não escraviza, mas liberta, como já aqui tive oportunidade de refletir (cfr. Diário do Minho, 6 de setembro de 2021).

- “Maridos, amai as vossas esposas e não as trateis com aspereza” (v. 19). Numa sociedade patriarcal, onde a mulher era tendencialmente desvalorizada, este conselho é subversivo, porque reconhece e valoriza a sua dignidade.

- “Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, pois é agradável no Senhor” (v. 20). Para além deste convite à obediência, a Primeira Leitura acrescenta conselhos muito úteis à relação entre filhos e pais: “Filho, ampara teu pai na velhice e não o desgostes enquanto viver. Ainda que ele perca a razão, sê indulgente, e não o desprezes, tu que estás na força da vida” (v. 12).

Pelo meio, refere que “quem venera seu pai há-de alegrar-se nos filhos” (v. 5), a lembrar o nosso ditado popular: “Filho és, pai serás; como fizeres, assim receberás”. E acrescenta que o cuidado dedicado aos pais traduz-se em desconto dos pecados (v. 3: “Quem venera seu pai obterá o perdão dos pecados e acumula um tesouro aquele que honra sua mãe”; v. 14: “O bem que é feito ao pai não será esquecido e será levado em desconto das tuas faltas”) e é até fator de longevidade (v. 6: “Quem honra seu pai terá longa vida”).

- “Pais, não exaspereis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo” (v. 21). O povo diz o mesmo por outras palavras: “Pai impertinente faz filho desobediente”. É outro conselho muito útil, num tempo em que, por razões diversas, falta a paciência para educar e nem sempre se manifesta agrado pelo bem conseguido e pelos resultados alcançados.

Para concluir, resta-me desejar que, vivendo à imagem da Sagrada Família, as festas natalícias contribuam para tornar mais sagradas as nossas famílias.

1 Quando o Natal e a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, ocorrem ao domingo, como é o caso deste ano, a Festa da Sagrada Família celebra-se na sexta-feira, dia 30 de dezembro.


Autor: P. João Alberto Correia
DM

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27 dezembro 2022