A ciência não cessa de registar avanços.
No entanto, a (persistente) pandemia veio demonstrar que, entre os múltiplos saberes, temos de contar também – e cada vez mais – com o «não saber».
Ter consciência de que nem tudo se sabe não será o primeiro – e decisivo passo – para a sabedoria?
E, contudo, é tão raro encontrar a locução «não sei» nos lábios seja de quem for.
Tornou-se até recorrente, quando um professor lança uma pergunta para a sala de aula, os estudantes – antes ainda de o docente concluir o questionamento – atirarem respostas a esmo.
Ser o primeiro a responder, mesmo equivocadamente, avulta como uma aspiração dificilmente controlável. Aos meus estimados alunos costumava replicar que «não sei» também é resposta.
Um dos maiores sábios de sempre reconheceu que, quanto mais sabia, mais sabia… que não sabia.
E o filósofo luso Francisco Sanches exarou que, afinal, «nada se sabe». Mas, no fundo, estava a ensinar-nos que, pelo menos, algo se pode saber: que não se sabe.
Recordo que meu extremoso Pai – na sua experimentada simplicidade – repetia que era necessário estar (monetariamente) precavido para um «não sei».
Referia-se a situações imprevistas perante as quais há que estar prevenido.
Acontece que, de repente, o «não saber» parece ter desaparecido do nosso vocabulário e da nossa vivência.
Todos nós parecemos ungidos de uma «pan-sabedoria», habilitando-nos a pronunciarmo-nos sobre tudo e todos. Quase sempre, sem fundamento e credibilidade.
As próprias ciências – alerta Viriato Soromenho-Marques –«foram perdendo a capacidade de autocrítica, que só é possível quando […] se exercita o pensar sobre o sentido, os limites e as finalidades da sua própria missão».
No decurso da presente pandemia, devemos à ciência a protecção e o salvamento de muitas vidas. Mas dela também já nos chegaram palavras soltas em contradição flagrante entre si e com a realidade.
Infelizmente, o excesso de certeza paralisa a procura e pode conduzir ao fixismo e até à autocracia.
É por isso que Wislawa Szymborska valoriza o «não sei». É uma locução pequena, «mas voa com asas poderosas; expande a nossa vida para incluir espaços que estão dentro de nós, bem como as vastidões exteriores em que a nossa minúscula Terra pende suspensa».
Por conseguinte – ao notar que a palavra do ano 2021 foi «vacina» –, percebo a homenagem que se pretende render ao avanço, ao alívio e à mitigação de muitos problemas desencadeados pela pandemia.
Sucede que nem as vacinas dissipam todas as incertezas que nos habitam e torturam.
Daí que a locução «não sei» também pudesse figurar no topo do léxico do ano que findou, do ano que principiou e dos tempos que nos esperam.
Mas haja esperança!
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira