Uma das pistas para compreender o Rosário é talvez a maneira como Afonso X, de Castela, celebrava Maria nas 'Cantigas de Santa Maria'. Aí chama a Maria: 'Rosa das rosas, flor das flores, mulher entre as mulheres, única Senhora, luz dos santos e do céu...». Pouco depois, o dominicano alemão Enrique de Susa (1295 – 1366) também se dirigia a Maria com estas palavras: «Sê bendita, Tu, aurora nascente, sobre todas as criaturas, e bendito seja o prado florido de rosas roxas do teu belo rosto, ornado com a flor roxa rubim da Eterna sabedoria».
Na Idade Média, nasce também o Rosário, denominação que, de si, está ligada às flores, pois que, assim como à pessoa amada se lhe oferecem grinaldas de rosas, à Virgem Maria oferecem-se grinaldas de Avé Maria.
As primeiras práticas devocionais, ligadas, de algum modo, ao mês de Maio, remontam ao século XVI. Em Roma, São Filipe de Neri ensinava os seus jovens a rodearem de flores a imagem da Mãe do Céu, a cantar os seus louvores e a oferecer-lhe em sua honra actos de mortificação..
Às festas pagãs da primavera, entronizando a natureza, começava a contrapor-se a homenagem a quem verdadeiramente a merecia: a Rainha do Céu.
A indicação de Maio como o mês de Maria devemo-la ao jesuíta Aníbal Dionisi, religioso italiano, nascido em Verona em 1679 e falecido em 1754. Sob o pseudónimo de Mário Partenio, publicou em 1725: «O mês de Maria, ou seja, o mês de Maio consagrado a Maria com a exercitação de várias flores de virtude propostas aos verdadeiros devotos de Maria». Com a novidade de convidar a viver e praticar a devoção mariana nos lugares da vida quotidiana, isto é, na vida ordinária, e não necessariamente apenas e só na igreja. Devoção nos lugares da vida quotidiana para 'santificar aqueles lugares e regular as nossas acções como se fossem feitas perante o olhar puríssimo da Santíssima Virgem'. O esquema a seguir era simples: oração – preferencialmente o rosário – diante da imagem da Virgem, meditação dos eternos mistérios, sacrifício ou obséquio, jaculatórias. Ainda por esses tempos, um outro jesuíta, Afonso Muzarelli, publicou em 1785 : «O mês de Maria, isto é, de Maio».
Famosíssimas são as palavras de São Luís Maria Grignon de Montfort: «Deus Pai reuniu todas as águas e chamou-as 'màra' ( mar); reuniu todas as graças e chamou-as 'Maria'».
A devoção mariana cresceu ainda mais com a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, em 1854. Maria manifesta-se em Fátima, em 13 de Maio de 1917, e uma das coisas que mais pede é a recitação do rosário. Na encíclica 'Mês de Maio', com data de 29 de Abril de 1965, Paulo VI, em pleno concílio Vaticano II, indicava o mês de Maio como «o mês em que, nos templos e entre as paredes de cada casa, mais férvida e mais afectuosa, se eleva a Maria, do coração dos cristãos, a homenagem da sua oração e da sua veneração. E é também o mês em que mais abundantes dons da sua misericórdia são espalhados sobre nós». São João Paulo VI, fervorosíssimo devoto de Maria e do santo rosário, além de outros muitos pronunciamentos sobre a bondade e necessidade de recitar cada dia o rosário, acrescentou-lhe os 'Mistérios Luminosos' e definiu o rosário como a oração em que se contemplam os mistérios de Cristo com o coração enamorado de sua bendita Mãe. O papa Francisco, nos nossos dias, não só pratica a recitação do rosário como realçou, no centenário das aparições, a recomendação que a Virgem dele fez em Fátima.
É uma oração de enorme beleza e elevação espiritual. Por isso mesmo, também é muito exigente, para que quem a pratica não a torne uma coisa sem sabor, repetindo maquinalmente as Avé Marias e deixando-se, assim, dominar, cansar e até aborrecer pela mera repetição rotineira.
Creio que a 'lei' da recitação deveria obedecer à lei do canto. As pausas que, ao cantar, temos de fazer para respirar bem – pois, sem elas, não há verdadeiro canto -, são as que devemos observar na simples recitação, se não quisermos desvirtuar o tesouro que temos entre mãos. Nem uma recitação arrastada e sonolenta, onde duas ou três pessoas juntas não são capazes de sintonizar nos tempos e modos de recitação; nem uma recitação exagerada nas pausas e no ritmo.
Creio, humildemente, que um dos verdadeiros desafios de sempre, e mais ainda dos nossos dias, é que as pessoas, ao ouvirem rezar numa igreja, sintam e experienciem que, os que estão a rezar, o fazem de uma maneira realmente viva, sentida e, por isso mesmo, atractiva e envolvente.
Autor: Carlos Nuno Vaz