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Romeiro, quem és?

Vivemos numa sociedade em que há pessoas reconhecidas como tal – pessoas de quem se fala e a quem se fala; pessoas cuja opinião é sempre ouvida e tida em consideração, e pessoas que se ignoram por completo, como se tivessem morrido.

É a sociedade dos Alguns e dos nenhuns. Em que os Alguns mandam, às vezes discricionariamente, e os nenhuns não veem outro remédio que não seja obedecer. Mesmo que lhes custe. É a sociedade dos Alguns e dos outros. Dos outros que não contam. Dos outros que se esquecem. Dos outros que se ignoram. Dos outros que se marginalizam. A sociedade do descarte, como frequentes vezes diz o Papa Francisco.

No entanto, os outros também são gente. Também são seres humanos. Também têm as suas ideias, sabem apresentar as suas opiniões e gostam de ser consultados. Os outros também têm interesses a defender e conveniências que gostariam de ver satisfeitas. Os outros, que têm o direito de se não sentirem bem vendo-se marginalizados e desprezados.

2. Apregoa-se o diálogo, mas há mandões que se limitam a dar ordens. Que não sabem dirigir senão dando ordens. Senão satisfazendo caprichos. Senão impondo pessoais pontos de vista.

Também há mandões que, parecendo muito autoritários, são autênticos paus mandados. Decidem assim porque outros mandam que assim decidam. Dão ordens assim porque, se o não fizerem, perdem o lugar, para cuja conquista se bateram e a que se agarram com unhas e dentes. Isto de perder o lugar quando com ele se vão tachos e pernachos…

3. Numa sociedade que tanto apregoa liberdade há homens feitos marionetes, que são inteiramente manobrados por quem habilidosa e interesseiramente os comanda. E julgando-se senhores aceitam, alegremente, a posição de verdadeiros escravos.

4. Ninguém. A sociedade dos senhores e a dos zésninguém. Todavia os zésninguém também têm a sua dignidade. Também são pessoas. Também são filhos de Deus.

Mas neste mundo de interesses e do salve-se quem puder, quem se lembra disso?

Fala-se em altruísmo, mas o que vemos imperar é o individualismo e o egoísmo mais ferozes. É a defesa dos interesses pessoais ou do grupo a que pertencem. Mesmo que se esmaguem pessoas. Mesmo que se atraiçoem princípios. Mesmo que se comprometam valores que teoricamente se afirma defender. 

5. Nem já tu, Telmo, me conheces!, desabafa o Romeiro de Garrett.

Nem já tu me conheces!, podem dizer muitas pessoas a certos mandões.

No entanto, lembra-te de que sou um ser humano como tu, detentor de igual dignidade e de iguais direitos. Se queres, realmente, no mundo em que vives, ser verdadeiramente Alguém, reconhece e respeita nos outros essa dignidade e esses direitos. Se queres de verdade ser Alguém não vejas os outros como ninguém nem os trates como zésninguém, que eles não são mais mas também não são menos do que tu. E, se queres ser mais, faz-te menos e serve-os.

Almocreves somos; na estrada andamos, diz a sabedoria popular. Nesta caminhada da vida precisamos uns dos outros. Mas há detentores (ou usurpadores?) do poder que se esquecem disso.

Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança (Génesis 1, 26-27). Ao longo dos séculos tem havido seres humanos que se idolatram e convertem outros seres humanos em coisas de que dispõem de harmonia com as suas conveniências pessoais ou deles se aproveitam como números para estatísticas.

Jesus recomendou que se façam os mais pequenos quantos pretendem ser os maiores (Mateus 20, 25-28). Mas tem havido quem se procura engrandecer apequenando os outros.

 

Autor: Silva Araújo
DM

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2 fevereiro 2017