Pela primeira vez em mais de quatro décadas na história da democracia em Portugal, o Orçamento de Estado (OE) prevê um excedente orçamental de 0,2% do PIB.
Apesar de ser uma mera previsão que só a sua execução permitirá ou não confirmar, o Governo nega que a proposta de lei plasmada nesse documento implique o aumento da carga fiscal, apodando de pura especulação falar-se em mais impostos e desafiando a oposição a demonstrar concretamente esse proclamado aumento.
Perante esta guerra de palavras que só serve para confundir os cidadãos – que, na sua generalidade, não têm conhecimentos de finanças públicas –, importa salientar que é ao Executivo e não aos representantes da nação eleitos para o Parlamento que cabe o ónus de demonstrar com clareza aos contribuintes a carga dos impostos que vão suportar, esclarecer o seu destino, explicar a variação de valores relativamente aos anos anteriores e responder com precisão a todas as dúvidas levantadas pela oposição.
Infelizmente, não tem sido essa a postura com que o primeiro-ministro e os demais membros do Governo se têm apresentado nos debates orçamentais, pelo que se não estranha o comportamento que vem mantendo na discussão do OE de 2020, em curso na Assembleia da República.
Face à recusa de abertura e clareza que deveriam ser apanágio de um órgão de soberania que existe para servir e informar os cidadãos e os seus representantes, o que é profundamente lamentável, julgo oportuno deixar pistas simples que habilitem os contribuintes e os eleitores em geral a formar o seu próprio juízo em matéria tão importante na vida colectiva da nação como na vida de cada família.
Nesse sentido, penso que um dos primeiros cuidados a observar é estar atento ao discurso governamental e escrutinar a coerência das promessas feitas com os efeitos das medidas tomadas, sobretudo tendo em conta as perdas ou ganhos no poder de compra individual e familiar.
Ora, uma das notas mais evidentes da contradição daquele discurso reside no facto de, na ainda recente discussão do programa do Governo, o primeiro-ministro ter admitido como “provável” que algumas das medidas no mesmo preconizadas, designadamente em sede de IRS, se venham a traduzir num agravamento de impostos, para, agora, na discussão do OE, garantir que os portugueses não vão pagar mais impostos em tal sede…
Depois porque, tendo em conta que a despesa global orçada para 2020 é superior à do ano anterior e considerando o previsto excedente orçamental, é lógico e expectável que tenha de haver aumento de impostos, quanto mais não seja dos indirectos.
De resto, é sintomático que António Costa haja recusado garantir que estes impostos não vão aumentar, nomeadamente o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, relativamente ao qual foi peremptório em não prometer “nem um cêntimo para a descida da gasolina”.
Acresce que no OE estão previstos, por exemplo, aumentos nas taxas do IMT nas transacções de imóveis de valor superior a um milhão de euros (de 6% para 7,5%), no Imposto Único de Circulação e no Imposto sobre os Rendimentos dos Alojamentos Locais (AL) em zonas de contenção (de 35% para 50%). Assim como está igualmente previsto sujeitar as casas que sejam retiradas do AL ao pagamento de mais valias, desde que não sejam colocadas no arrendamento habitacional por um período não inferior a cinco anos, imposição esta que é de uma patente iniquidade – tributar alguém só porque se arrepende ou se cansa de explorar uma casa em sistema de AL e a resolve integrar no seu património pessoal!
Por tudo isso e porque os preços dos bens disfarçam os impostos indirectos que sobre eles incidem, só há uma maneira simples de aferir a variação dos encargos fiscais: verificar ao fim de cada mês e no cômputo final do ano a perda ou ganho do poder de compra. E então, sim, ninguém terá dúvidas sobre se o Governo mentiu ou não aos cidadãos.
É este o alerta que lanço aos meus concidadãos, a quem recomendo um mais activo exercício de cidadania e uma redobrada exigência ao Parlamento de um maior controlo e fiscalização sobre a execução orçamental, por forma a conter a discricionariedade do ministro das Finanças no uso e abuso das cativações orçamentais que tanto dano tem provocado no funcionamento de serviços públicos essenciais.
Assim o reivindica a noção colectiva e compartilhada de interesse público.
Autor: António Brochado Pedras