1 –Marcava o calendário Novembro de 2014 quando Marcelo Rebelo de Sousa (então ainda remetido aos corredores do comentário político) chocara o país ao trazer a público as inquietações que uma jovem de apenas 16 anos lhe havia manifestado após uma breve passagem, em visita, pelas galerias da Assembleia da República. Assim, ao longo de um detalhado e corajoso e-mail (alegadamente também remetido ao Governo da República), denunciara-lhe a inconformada estudante haver assistido a uma série de peripécias no mínimo inusitadas, como “deputados [que passavam] o tempo todo no Facebook a ver raparigas avantajadas”, ou outros que dividam a respectiva atenção entre a assistência a “vídeos de quedas, [d]aqueles que se encontram no YouTube para fazer as pessoas rir” e a leitura de e-mail publicitários ou a realização de telefonemas de cariz não institucional. Tudo – pasme-se – em plena discussão do Orçamento de Estado para 2015 e com recurso às infraestruturas tecnológicas que lhes haviam sido colocadas ao dispor para o adequado desempenho das funções relacionadas com o exercício do seu mandato de representação popular.
De pronto, não faltou quem acusasse o ora Presidente da República de lançar “sobre o todo do hemiciclo uma suspeição de conduta imprópria e estúpida”, confundindo meia-dúzia de árvores – ou melhor dizendo, de ervas-daninhas– com a globalidade da floresta; e, pior ainda, negligenciando, por esquecimento, tacticismo ou má-fé, que “mesmo uma senhora muito avantajada dificilmente se distinguiria de uma banana quando vista das galerias”.
2 –Volvidos cerca de quatro anos, porém, quis o destino que a responsabilidade e o sentido de Estado da classe parlamentar lusa fossem novamente colocados em xeque; desta feita, por força da divulgação de uma imagem captada pela agência Reuters, na qual uma deputada do Partido Socialista – in casu, a controversa Isabel Moreira – é focada, em grande plano, a pintar as unhas no decurso do debate do Orçamento de Estado para 2019.
Como diria Marx, a história tende a repetir-se: primeiro como tragédia, depois como farsa. Com uma pequena – mas não despicienda – dissemelhança: é que se no primeiro caso a pressão corporativista, exercida da Direita à Esquerda par(a)lamentar, conduziu à incompreensível descredibilização de um relato que apenas quem nunca haja pisado as galerias da casa da democracia poderá configurar como uma “brincadeira de crianças”; no segundo, raras – para não ser mais drástico – foram as vozes a sair em defesa da honra da pessoa singular visada; quando mais a questionar a autenticidade da conduta menos própria que lhe fora publicamente imputada, ou a por em crise as motivações do mensageiro que a denunciara. Afinal, casos há em que uma imagem vale mais do que mil palavras...
3 –Não deixa, como quer que seja, de se demonstrar preocupante que certos vícios e práticas radicalmente contrárias ao regular funcionamento de qualquer democracia que se preze, continuem a repetir presença nos principais centros de poder decisórios nacionais ao longo dos tempos, concorrendo para o seu contínuo desprestígio aos olhos de um povo cada vez mais saturado de uma cultura política onde grassa a incapacidade em aprender com os erros e na qual a culpa parece irremediavelmente condenada a morrer solteira.
Senão, como justificar que um escândalo como aquele que recordámos nas linhas iniciais do presente texto tenha caído em “saco-roto” sem que hajam sido apuradas quaisquer tipo de responsabilidades? Mais: como entender que, numa era em que a tendência para o crescimento de movimentos populistas (que vivem, justamente da cólera e indignação do comum dos mortais face a tiques de incompetência e desrespeito como os supraexpostos) se processa a ritmo acelerado um pouco por todo o globo, aqueles que deviam velar em primeira linha pela demonstração dos méritos do que se considera o lado certo da história, se assumam, paradoxalmente e afinal de contas, como a principal fonte de legitimação do canto de sereia de que vulgarmente se serve o flanco negro da força para seduzir os seus eleitores?
Uma coisa é certa: se a irresponsabilidade da classe política portuguesa pagasse imposto, os crónicos problemas financeiros que ciclicamente se nos colocam estariam há muito solucionados. Ocupassem Isabel Moreira e seus compagnons de routeo respectivo tempo na reflexão de propostas como esta e teríamos, porventura, um país bem mais próspero e igualitário.
Autor: Joel A. Alves