Porque Domingo vamos votar, façamo-lo com toda a liberdade, consciência e verdade; e certo de que o voto é a única arma que possuímos contra a injustiça, a desonestidade, a incompetência, a desigualdade e a limitação do pensamento; mas, porque somos um povo de parca razão e abundante coração, esta forma de ser e de estar manifesta-se em todos os sectores de atividade; e, assim, esta nossa natureza, em termos práticos e horizontais, traduz-se em pouca reflexão e pensamento e demasiada emoção e sentimento, focados nas decisões que tomamos e nas ações que empreendemos; até de nós se diz que temos o coração perto da boca e faz com que a palavra saudade, não tendo explicação devido à sua natureza subjetiva, se nos cole à pele como dermatite crónica.
Ora, esta forma de ser, de estar e de agir presente está em quase tudo que fazemos no dia-a-dia, obstaculizando o sucesso do desempenho pessoal, profissional, social e nacional de todos nós; e esta idiossincrasia mais visível e notória é na política e no desporto, levando a que se creia mais nas palavras do que nos atos com as consequentes desilusões e fracassos.
Pois bem, no desporto a chamada paixão clubista é de tal modo alienante e demolidora que espoleta simultaneamente repulsa e violência entre rivais, como sentimentos de amor e ódio entre atletas e aficionados; a ponto de, em tempos recuados, se pregar o princípio de que um bom chefe de família tinha que ser benfiquista.
Por outro lado, na política, olha-se mais ao que se diz e promete e menos ao que se cumpre e faz; e, então, a vitimização pessoal de governantes, dirigentes e candidatos a cargos institucionais funciona na perfeição quando se almeja convencer o eleitorado de que se é o melhor e mais capaz para o desempenho de determinado cargo ou função.
E o povo, ignorando o que Lincoln afirmava sobre o caráter dos homens e o poder – se queres conhecer o caráter dos homens dá-lhe poder– deixa-se enrolar por palavras bonitas, falinhas mansas e largueza de promessas desses políticos; como igualmente ignora que, se queremos conhecer a coerência de um homem, dêmos-lhe dinheiro que ele depressa nos domina e explora.
Em termos práticos, os eleitores portugueses votam mais com o coração do que com a razão, sobretudo quando escolhem um candidato bem-falante, populista, demagogo e trapaceiro; já dos franceses se diz que, na primeira volta, votam mais com o coração, mas, na segunda, o fazem mais com a razão; conhecedores desta verdade, certos políticos passam a vida a guardar na gaveta as suas convicções ideológicas, metendo os eleitores no coração, manipulando e mentindo com promessas de mundos e fundos, todos muito cor-de-rosa e apelos mil ao sentimento e à emoção.
Depois, porque a verdade tal como o azeite vem sempre ao de cima, o descrédito, a desvalorização e a desmotivação da política e dos políticos instala-se e impõe-se; e porque, fundamentalmente, a política e a forma como é exercida se desvia dos padrões deontológicos e éticos que lhe são inerentes, leva os seus atores a atentarem contra a transparência, a normalidade e verdade democráticas que o povo reclama e exige, quando faz nas umas as suas escolhas.
Por isso, fácil e garantido é aos políticos, populistas e demagogos, de que por aí muitos exemplares já abundam, terem sucesso garantido, pois com extrema facilidade se impõem dentro das estruturas partidárias, locais, regionais e nacionais, conquistando de mão beijada o poder; e, de seguida, é ver a corrupção, a desonestidade, a incompetência, o arranjismo e a injustiça social a crescerem como cogumelos em monturo.
E se o meu bom amigo leitor pensa livremente com a sua própria cabeça que, em democracia, é a forma benfazeja e gloriosa de pensamento, fácil é constatar, olhando à sua volta e para o país real que temos, esta triste realidade; e, quando tempo já era de lhe pôr cobro através do voto que é a única arma do povo, cada vez mais os escândalos de rapinagem, injustiça incompetência e imoralidade alastram no tecido nacional.
Agora, o mais patético e doloroso é que esta bandalheira institucional acontece devido à passividade, bonomia e incultura do povo que se deixa enrolar, levado pelo canto dessas mefistofélicas sereias que cada vez mais abundam; e, sobretudo, porque ele age mais com o coração do que com a razão e nos momentos óbvios em que, na sua mão, tem o poder de escolher e decidir, não o faz devidamente.
Por isso, já no próximo Domingo, vote mais com a razão do que com o coração, nunca se esquecendo que está a votar no seu futuro e dos seus filhos; e igualmente a defender e amar o seu país que é, no fundo o que mais interessa.
Não fique em casa, escolha e decida com toda a liberdade, porque se não usar ou usar de forma inconsequente a sua única arma de que lhe falei, corremos todos o risco de nos afundarmos ainda mais e connosco este nosso ínclito e imortal país.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
Refletindo sobre as próximas eleições legislativas

DM
2 outubro 2019