Para combater os efeitos nefastos da crise, o Governo emitiu em 2012 legislação destinada a apoiar as famílias em dificuldades, criando para o efeito uma série de ferramentas enquadradas por uma Rede Extrajudicial de Apoio a Clientes Bancários (doravante RACE), que chegou a integrar cerca de três dezenas de instituições por todo o país. Com o fim da crise financeira, esta RACE ficou adormecida.
Entretanto, mais recentemente, com a pandemia causada pela doença Covid-19 e subsequente desarticulação da economia nacional (e mundial), o país tem vindo a enfrentar novamente dificuldades sociais, económicas e financeiras que atingiram de forma severa as famílias e as empresas. De imediato, o Governo procurou amortecer os impactos mais gravosos, criando várias medidas excecionais e temporárias, como seja, por exemplo, um regime de proteção dos créditos das famílias e das empresas, a moratória pública bancária (os próprios Bancos criaram também um regime próprio designado por moratória privada). Durante a sua vigência, os mutuários que a ela recorreram deixaram de pagar as prestações de capital e, eventualmente, de juros também. Com a situação sanitária mais controlada e a procura de um regresso da atividade económica à normalidade, este regime da moratória pública bancária cessou, numa primeira fase em 30/09/2021 (para quem acedeu a ela logo no início a partir de 27/03/2020) e agora em 31/12/2021 também cessou para quem aderiu à moratória posteriormente (entre 1/10/2020 e 31/03/2021).
Segundo dados do Banco de Portugal, os Bancos possuíam 19,2 mil milhões de euros em moratória em setembro de 2021, valor este que passou para 3,2 mil milhões de euros no final de outubro do ano passado, o que significa que a diferença (16 mil milhões) regressou ao regime normal de crédito, com a cobrança das prestações de capital e juros a serem retomadas.
Prevendo que este regresso ao normal, do crédito contratado (estamos a falar essencialmente do crédito à habitação, mas também inclui o crédito pessoal), possa causar dificuldades acrescidas às famílias que ainda não conseguiram recuperar os seus rendimentos, o Governo decidiu reativar a RACE, integrando na mesma todos os centros de arbitragem de conflitos de consumo, onde se inclui o CIAB-Tribunal Arbitral de Consumo.
As entidades que integram a RACE ficam, nos termos da lei, habilitadas a desempenhar as seguintes funções:
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Informar o cliente bancário sobre os seus direitos e deveres em caso de risco de incumprimento do contrato de crédito e no âmbito do PERSI;
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Apoiar a análise, por parte do cliente bancário, das propostas apresentadas pelas instituições de crédito no âmbito do PARI e do PERSI, nomeadamente quanto à adequação de tais propostas à situação financeira, objetivos e necessidades do cliente bancário;
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Acompanhar o cliente bancário aquando da negociação entre este e as instituições de crédito das propostas apresentadas no âmbito do PARI e do PERSI;
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Prestar outras informações em matéria de endividamento e de sobre-endividamento;
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Apoiar o cliente bancário na avaliação da sua capacidade de endividamento, à luz dos elementos que este apresente para o efeito.
As entidades que integram a RACE podem também informar e prestar formação financeira aos consumidores, com o objetivo de contribuir para a melhoria dos seus conhecimentos financeiros.
Esta Rede, que integra os centros de informação e arbitragem de conflitos de consumo, como é o caso do CIAB-Tribunal Arbitral de Consumo, tem como função informar, aconselhar e acompanhar os clientes bancários que se encontrem em risco de incumprir as obrigações decorrentes de contrato de crédito celebrado com uma instituição de crédito, ou que já esteja de facto a incumprir essas obrigações. Estas dificuldades normalmente resultam de situações de desemprego, divórcio, doença que levam a uma diminuição dos rendimentos, ou acumulação de dívidas, que impossibilite o seu cumprimento pontual. Este instrumento visa essencialmente apoiar os clientes bancários no âmbito da contratação de crédito à habitação e de crédito pessoal.
As entidades que integram a RACE devem atuar de acordo com os princípios da independência, imparcialidade, legalidade e transparência. Por outro lado, os técnicos ao seu serviço devem manter a confidencialidade relativamente a toda a informação que tenham acesso, que fica assim sujeita a segredo profissional.
Como o nome indica, o PARI (Plano de Ação para o Risco de Incumprimento), destina-se a ser operado antes que os clientes bancários entrem em incumprimento face às instituições de crédito a que recorreram. Os próprios Bancos devem de forma regular efetuar a avaliação de risco de incumprimento por parte dos clientes bancários e, se for o caso, apresentarem propostas adequadas à sua situação financeira.
Já o PERSI (Procedimento Extrajudicial para Regularização de Situações de Incumprimento), visa o enquadramento de clientes bancários que se encontrem a incumprir de facto as suas obrigações relativamente a contratos de crédito em vigor.
O papel das entidades que integram a RACE é assim muito importante. Elas irão dar todo o apoio necessário aos clientes bancários, de forma a que as propostas negociadas com os Bancos sejam de facto, em função das circunstâncias, as melhores propostas para os clientes bancários.
Autor: Fernando Viana