1. Em sentido estrito, a Croácia é que foi afinal o campeão mundial). O quê? Pensam que não, que foi a França? É que eu disse “em sentido estrito”. Pois se se tratava de uma competição entre selecções nacionais, repito, “nacionais”… O objectivo (pelo menos o objectivo essencial deste tipo de competições, o qual se tem mantido por cerca de 1 século, quase até aos dias de hoje), o objectivo, dizia, era comparar o valor futebolístico dos povos (das nações, dos estados) uns em relação aos outros. O único “pormenor” em que este tipo de competições internacionais “de selecções”, se distingue de idênticas competições clubísticas, é que, nestas últimas (as clubísticas) os grandes clubes, desde os anos 50 ou 60, sempre utilizaram um ou mais “craques” estrangeiros, sem que de tal facto viesse “qualquer mal ao mundo”. Ora, se desde há vários anos a França, a Bélgica e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (além de várias outras selecções) passaram a utilizar maioritariamente, jogadores cujos avós são naturais de países de outros continentes, o espírito essencial da competição fica completamente desvirtuado. Porém, a pequena Croácia, com apenas 4 milhões de habitantes, com o sucesso que se viu, apenas utilizou “a prata da casa” (aliás, como a ainda demograficamente mais pequena Islândia fez, no Europeu de 2014). À França e à Grã-Bretanha (cada qual com mais de 60 milhões de habitantes) não bastou recrutar apenas entre os franceses e britânicos “de cepa”. Tal como a Bélgica, a Alemanha, a Suíça (e em menor escala, a Suécia e a Dinamarca). À Croácia sobrou valentia, valor, talento, compensando a pouca população. Podia (e devia) ter ganho a uma “França à Macron”, que não lhe foi superior. O árbitro, o azar e duas ocasiões em que o g. r. Súbasitch estava tapado, acabaram por decidir a sorte do jogo.
Poderá opor-se ao que eu estou defendendo, que até foi Portugal, no tempo de Salazar (anos 60) que inaugurou esta moda de selecções algo “multi-raciais”, no tempo do glorioso Eusébio e de Coluna, Hilário, Matateu, etc. Só que, ao contrário de hoje, Portugal era um Império. Coisa que não se passa com as actuais França, Grã-Bretanha e Bélgica (as quais, coitadinhas, são é verdadeiros espaços de colonização para oportunistas de outras paragens…)
2. O dia em que pela 1.ª vez entrei Croácia adentro…). Que saudades! Ainda estávamos nos anos 70, no tempo de Tito (que era croata) e da Iugoslávia. Vindo de Londres (onde passei 15 gloriosos dias, com os amigos liceais Gama, Rosmaninho e Armindo), fui de comboio e barco até Paris, onde o meu pai e outra família me esperavam, com o seu Humber Hawk verde a puxar uma “roulotte” feita à mão, acreditem, na eira da velha quinta de Santiago (OAZ). Saímos com destino à Grécia. Para leste, pela Champagne, Lorena, Munique, vale do Danúbio austríaco e Graz). Foi de Graz que, aos ziguezagues por estradinhas austríacas de província, entrámos pela bastante formal fronteira iugoslava de Spielfeld-Sentilj. Antes de entrar na Croácia tem de se passar pelo leste da Eslovénia. Aos poucos foi-se mergulhando num mundo insuspeitado. Colinas cheias de aldeias agrícolas com carvalhais nos intervalos, trajos típicos, carroças puxadas a cavalos, muita gente com olhos azuis (no norte de Itália também há bastante). Nesse fim de tarde, o mundo eslavo iria “entregar-me o seu cartão de visita” e abrir-se para mim da forma mais inesperada. Eu e o meu pai fomos comprar vitualhas a uma albergaria qualquer e, lá entrados, o espectáculo de um alegre casamento, acompanhado por uma fantástica orquestra a tocar e cantar música folclórica. No dia e noite seguintes, a viagem continuava, vale do Sava abaixo, pela auto-estrada algo esburacada (mas gratuita!), ladeados por campos e muitas florestas. E lá fomos ao extremo-sul da Grécia, com um calor de mais de 40 oc. No regresso, e novamente na Croácia iugoslava, passámos perto da Hungria, pelas regiões da Eslavónia croata e do vale do Drava. Aí, prósperas aldeias cheias de gente boa e afável, casas de madeira com pomares e quintais, grandes carroças de rodas de borracha puxadas a cavalos, igrejas a imitar as da Áustria. Naqueles anos, aliás, os poucos que falavam línguas não sabiam inglês, falavam era alemão (mesmo na Sérbia). É conhecida a fidelidade histórica da valente nação croata ao Império Austro-Húngaro, cujas “fronteiras militares” no Sava, Drava e Danúbio ajudou em 4 sangrentos séculos a defender das invasões dos cruéis turcos muçulmanos. Só a ignorância da História explica que tanta gente do nosso tempo tenha dificuldade em compreender a auto-defesa dos balcânicos relativa às novas investidas islâmicas, agora sob a forma de tráfico de refugiados.
3. O consulado de Marselha e o “respeitinho” pelas fronteiras). Nos anos 70, um português que quisesse visitar a antiga Iugoslávia, tinha de pagar previamente um visto num consulado iugoslavo no estrangeiro. Na 2.ª das 5 viagens que fiz àquela federação (antes dela se dissolver nos anos 90), lá fui com o meu pai à bela vivenda do consulado que havia em Marselha, para pedir os vistos. Ainda me lembro do jovem bosníaco, moreno, alto, engravatado, de fato branco, que nos atendeu, com uma simpatia distante. Lembrava o “cow-boy” Lucky Luke; e zeloso, lá procurou indagar os motivos da visita destes turistas lusos, à época tão raros nos Bálcãs. Saía-se sempre de lá, a suar. É esta prespectiva histórica da soberania, representada pelas fronteiras, que não foi vivida pela nova geração; o que torna governantes tão normais como Trump e Orbán, tão incompreendidos por eles.
4.“Pozdrav shaljem”, ao povo croata). Mas hoje, apenas quero felicitar os bravos desportistas dessa fiel Hrvatska, a do conde Jélatchitch (m. 1857), de Périsitch, Módritch, Rákititch,Mandjukitch, Vida, Rébitch, Krámaritch, Lovren, Chorluka, Strínitch, Kálinitch, Vrsaljko e Súbashitch.
Autor: Eduardo Tomás Alves
Recordações e saudações à Croácia

DM
24 julho 2018