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Ramalho Eanes, a antítese entre a pessoa e o político

Se há algo de positivo que realça do caráter do General Ramalho Eanes é a sua integridade, de homem bom, de político com conduta pessoal exemplar.

Essa imagem do General foi consolidada pela sua recusa em receber, em 2008, mais de 1 milhão de euros em retroativos da sua pensão como General, negada por Mário Soares em 1984, bem como pela recusa em ser promovido a Marechal por entender que não tinha os atributos para tal posto e não resultar nenhuma vantagem para as Forças Armadas.

Recentemente, o General Ramalho Eanes impressionou o país pela visão que deu da experiência dos idosos para a ultrapassagem da crise de saúde pública que vivemos, acrescentando – contrariando critérios médicos, valores éticos e morais – que os idosos cederiam os seus ventiladores no caso de serem precisos para salvar a vida a pessoas mais jovens e com filhos.

A personalidade reservada, sisuda, apesar de bondosa e integra, aliada à sua condição de militar, nunca fizeram de Ramalho Eanes especialmente talhado para a política como, aliás, a sua pouca intervenção na vida pública confirma, contrariamente a Cavaco Silva, a Mário Soares e até mesmo a Jorge Sampaio.

Mas a honestidade e exemplar conduta pública chega para apoiar a ação de um político? Não, entendo que não chega!

Apesar da integridade pessoal indiscutível de Ramalho Eanes, os seus dois mandatos presidenciais tiveram as maiores críticas para quem como Sá Carneiro, Mário Soares ou Freitas de Amaral queriam para Portugal uma democracia europeia, desenvolvida, com o poder militar subjugado ao poder civil eleito.

Aliás, basta a mudança dos seus apoios para a sua recandidatura, para perceber a dúbia conduta política do primeiro mandato de Ramalho Eanes uma vez que foi apoiado – exclusivamente nessa segunda eleição – pelos partidos comunistas MRPP, OCMLP, MDP, massivamente pelos militantes do PCP, por parte do PS que rejeitava a posição contrária de Mário Soares e pelo partido que resultou da cisão grupo parlamentar do PSD, a ASDI.

Sá Carneiro, o seu mais forte opositor, acusou mesmo Ramalho Eanes de ter uma política inversa aos valores pelos quais foi eleito e que foram enganados aquando da sua escolha para candidato a Presidente em 1976.

Embora o PCP tivesse sido derrotado nas urnas e em 25 de Novembro de 1975 – quando quiseram instituir em Portugal uma ditadura comunista – restou ainda um grupo político militar, próximo de Ramalho Eanes e dos comunistas, que queria manter a sua forte influência na condução do país e que integravam, na sua maior parte, o Conselho da Revolução. O Conselho da Revolução, era um órgão militar não eleito, relativamente ao qual as leis aprovadas pelo Parlamento ou pelo Governo só entrariam em vigor se tivessem a sua concordância.

Sá Carneiro acusou o então Presidente de não ter um projeto político para o país, mas apenas um projeto de manutenção de poder pessoal, tendo declarado que não aceitaria continuar como Primeiro Ministro se Ramalho Eanes fosse reeleito e afirmava em 1980: “O General Eanes faz a política que convém ao Partido Comunista, uma política que implica a inexistência de maiorias estáveis, uma política de luta contra a AD, uma política de prolongamento do poder político militar…”.

A atuação política de Ramalho Eanes e o tempo deram razão a Sá Carneiro: além da vontade da manutenção da autoridade do poder militar sobre o poder civil democrático, Ramalho Eanes instaurou em Portugal três governos de iniciativa presidencial, que atuavam segundo a sua orientação, passando por cima do Parlamento eleito e criou, a partir da Presidência da República, um falhado partido político contra os partidos que antes o apoiaram, com o intuito de se manter no poder após o término do seu mandato.

As ideias políticas de Sá Carneiro venceram, apesar de Ramalho Eanes: Portugal é uma democracia europeia consolidada e com o poder militar subjugado ao poder político.

A integridade pessoal de alguém de um político não chega para a avaliação do seu lugar na História, sendo também necessário avaliar o conteúdo das suas ações políticas.


Autor: Joaquim Barbosa
DM

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8 abril 2020