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Quem vê Deus nas coisas mais pequenas é feliz

1.”Quem vê Deus nas coisas mais pequenas é feliz”. A expressão não é minha, foi tirada de um artigo publicado no Diário da Saúde, uma publicação brasileira online e baseia-se num estudo de Jonathan Ramsay, da Universidade de James Cook, na Austrália, a partir de uma amostra de centenas de entrevistas a cristãos, budistas, taoistas, muçulmanos e outras pessoas sem filiação religiosa sobre o que sentiam quando acontece alguma coisa à qual atribuem um significado religioso na sua vida. Os resultados mostraram que todas as pessoas, mas especialmente as pessoas mais religiosas, sentem contentamento, felicidade, gratidão nessas circunstâncias. E, comenta Ramsay, experimentam tanto mais essas “emoções positivas quanto mais atribuem um significado ou um simbolismo a um evento destes”. É como se descobrissem uma coincidência pessoal na sua relação com o divino, como se estes eventos pusessem a descoberto uma relação pessoal com Alguém em quem confiam que os acompanha e protege. Trata-se de um fenómeno que se situa na área da relação entre atribuição de um significado/religião/e bem-estar. Imagine um exemplo: há um desastre, nada acontece à pessoa que o sofreu e ela interpreta isso como sendo “Alguém” que a protegeu, sente-se muito agradecida e feliz por isso e não mais esquece o significado desse facto na sua vida. Outro exemplo, que eu mesmo conheci: uma senhora sofria de artroses graves nos joelhos, na paragem tentou subir para o autocarro, mas não conseguiu…e voltou para o banco, à espera que alguém a ajudasse a subir…Nisto, pàra um táxi em frente dela, o motorista sai do carro e diz-lhe: eu ajudo-a e levo-a a sua casa…E assim fez. Ela ficou admirada e interpretou isso como “um anjo” que a veio ajudar, pois o homem não sabia nada do que se tinha passado. 2. Para Jonathan, este foi o primeiro estudo a examinar as consequências emocionais que resultam de atribuir um significado a eventos considerados sem grande significado no dia-a-dia: “A relação entre religião e bem-estar já é conhecida, mas este estudo sugere que o efeito positivo da crença religiosa sobre o bem-estar, por meio da atribuição de um significado e as emoções daí resultantes, é um fenómeno geral que se verifica entre grupos religiosos e étnicos”. Com efeito, sabe-se que a felicidade que decorre da experiência da espiritualidade costuma ser associada a um sentido amplo e global da vida, como defendem, por exemplo, Viktor Frankl. Mas, para Ramsay, é a primeira vez que se dá um significado pessoal à relação a simples factos que ocorrem no dia-a-dia. 3.Certamente que Ramsay se estava a referir a pessoas que vivem a sua crença religiosa com a espontaneidade de uma relação pessoal, não a pessoas que praticam a religião apenas ao nível sociológico, como acontece em meios tradicionais. É que só o viver íntimo da sua crença dá sentido e significado aos eventos simples da sua vida, algo semelhante às pessoas de fé simples que sentem a presença de Deus na sua vida. É dessa experiência de relação existencial com Deus, qualquer que seja o nome que lhe dêem, que decorre essa espiritualidade global que se manifesta nas coisas mais simples da vida através do significado que pessoalmente lhe atribuem. 4.Embora em contextos diferentes e com diferentes objectivos, esta observação de Ramsay fez-me lembrar uma afirmação da teóloga brasileira Maria Clara Bingemer, Profª na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, quando se interrogava sobre o que pode fazer, hoje, a Igreja para se acreditar. Diz ela que “o papel primordial da Igreja, hoje, é facilitar a experiência de Deus. E isso tanto pode ser dentro da sacristia como num trabalho social ou em alguma coisa. O importante é acompanhar os jovens, facilitar essa experiência, porque primeiro vem a adesão a Jesus… e só depois é que virá a aceitação da moral e da formação dogmática”. Em contextos diferentes, com abordagens diferentes e objectivos diferentes, partem ambos da mesma realidade. Já agora e noutra dimensão, eu diria que só esta experiência de vida é capaz de produzir a capacidade de convencer os outros. É uma espécie de contágio de bem-estar que alimenta nos outros o desejo de felicidade e estimula a esperança de o conseguir também. A esperança, mais do que um conceito, é a força oculta de um sentimento de procura da felicidade. Um sentimento especial cuja raiz que está para além do desejo. Ninguém é capaz de anunciar a esperança se a sua vida não transparecer felicidade. (O autor não segue o novo Acordo Ortográfico)
Autor: M. Ribeiro Fernandes
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21 outubro 2018