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Quem quer tramar o SNS?

Desde que o PS está de governo que os partidos mais à esquerda que lhe servem de muleta elegeram como prioridade política essencial a recuperação dos rendimentos dos funcionários do Estado e das empresas públicas. Essa escolha foi muito badalada e consta inclusivamente dos protocolos que foram assinados entre António Costa e os representantes do BE e do PCP previamente à formação do actual executivo.

É óbvio que, num país como o nosso, com um altíssimo grau de endividamento, com uma enormíssima carga fiscal e sujeito às apertadas regras orçamentais europeias, as despesas têm de ser muito bem ponderadas e controladas, pois o dinheiro não chega para tudo.

Daí que os encargos com as reposições das carreiras dos funcionários públicos e das 35 horas de trabalho tivessem acarretado, como consequência directa e necessária, uma drástica diminuição do investimento público e motivado o uso e abuso das cativações orçamentais como fórmula mágica de garantir o equilíbrio das contas do Estado, tão caro às autoridades de Bruxelas. E isso foi um duro golpe para os serviços públicos, que visivelmente se degradaram e acarretou um notório agravamento das desigualdades entre os trabalhadores do sector público e do sector privado.

Da saúde aos transportes, passando pela educação, o investimento recuou para níveis que só encontram comparação na década de sessenta!

No que à saúde se refere, a carência de pessoal tornou-se intolerável a todos os níveis, os edifícios e os equipamentos não foram renovados na medida do necessário e do que estava planeado e as dívidas dos hospitais públicos (EPE) cresceram de forma galopante.

Neste contexto, os hospitais do SNS com gestão público-privada, como o de Braga, constituem honrosas excepções. E isso só foi possível graças a adequadas práticas de gestão, ao facto de não estarem sujeitos às regras da contratação pública nem à tutela do Ministério das Finanças e a uma melhor ponderação de risco, já que expostos a falências.

Foi, pois, agradável constatar que, em recentes avaliações comparativas do SNS, da responsabilidade do Sistema Nacional de Avaliação em Saúde da ARS e de outras entidades oficiais de reconhecida credibilidade e independência, o Hospital de Braga tenha sido considerado o melhor do país, ocupando o primeiro lugar no custo por doente-padrão mais baixo do seu grupo e, aliás, o único hospital a atingir o nível máximo de excelência em oito áreas distintas!

Trata-se, por conseguinte, de um exemplo de uma Parceria Público-Privada (PPP) de sucesso que, segundo se sabe, garantiu ao Estado poupanças de mais de 30 milhões de euros anuais.

Em contraponto, foi revoltante verificar que, no caso do Hospital Amadora-Sintra, a devolução de uma PPP à esfera pública se traduziu numa apreciável deterioração dos mais significativos indicadores.

Perante tais circunstâncias e exemplos, como entender as declarações da ministra da Saúde, proferidas na semana passada, admitindo a possível passagem do Hospital de Braga à esfera pública quando, em 31/08/2019, terminar o contrato com a José de Mello Saúde (JMS), para mais quando ficou a saber-se que o Governo havia desafiado este grupo empresarial a continuar na gestão do Hospital?!

Ao que foi possível apurar, a JMS manifestou disponibilidade para continuar, mas colocou uma condição não prevista no anterior contrato – ser remunerada pelos medicamentos cedidos a doentes com HIV/Sida ou com esclerose múltipla. E tal condição foi justificada pelo facto de, também nos hospitais públicos EPE os programas de gestão de doenças crónicas serem financiados pelo Estado de forma suplementar ao contratualizado em programas assegurados pela Administração Central do Sistema de Saúdee ainda pelo facto de, até 2015 inclusive, terem sido celebrados protocolos adicionais para remunerar a produção decrescente de prestação de cuidados de saúde aos ditos pacientes, envolvendo uma verba anual de cerca de 8 milhões de euros, que a partir de então não foram renovados.

Ora, depois de se saber o que se sabe e de serem conhecidos outros estudos, como o da Católica Lisbon School of Business & Economics, que confirmam que a prestação de cuidados de saúde em PPP’s fica mais barata ao Estado e revelam uma tendência para uma descida dos encargos médios por doente-padrão, por manifestas melhorias de eficiência ao longo dos anos, não se percebe como o Estado e o grupo JMS possam deixar de chegar a acordo pela invocada razão.

Não quero crer que o governo de um partido que sempre encarou de boamente a possibilidade legal e constitucional de um serviço público regulado e pago pelo Estado ser gerido e executado por privados, desde que em melhores condições do que se prestado por entidades públicas, se deixe influenciar pela nefasta sanha ideológica do BE e do PCP contra tudo o que envolva a iniciativa privada.

Seria trágico para o país e revelaria um cinismo inaudito que quem proclama querer salvar o SNS se convertesse no coveiro deste serviço público essencial que urge reabilitar e consolidar.


Autor: António Brochado Pedras
DM

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22 dezembro 2018